segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Divagações

O metro vinha da Maia, com uma carruagem cheia de pilritos-das-praias. Pilotavam bagagens com rodinhas e tinham aterrado em Pedras Rubras a vinte euros por cabeça, atraídos pelo low-cost e pela movida da cidade.
O metro tem destas coisas. Mete-se pelo aeroporto adentro, vai ao deserto de Fânzeres, à Póvoa, ao Senhor de Matosinhos. Falta-lhe chegar a Gondomar e ao hospital de Gaia para cumprir integralmente o seu papel.
O metro foi a grande aquisição do Porto na última dúzia de anos. Só com ele deixou a cidade de ser uma paróquia, e até o comportamento público dos utentes sofreu alterações. Ao pé dele, a Casa da Música é um objecto exótico de utilidade mais que duvidosa, que uma elite de pacóvios engendrou. Custa, no mínimo, dez milhões por ano, sem valer um décimo da fortuna que nele está enterrada.
Os pilritos-das-praias falavam francês, e não foi sem emoção que lhes ouvi a toada. Cresci numa geração de influência francesa, em que a língua e a cultura da França eram rudimentos da escola. Nada como é hoje em dia, em que o inglês se tornou língua única. Qualquer cafre a arranha com sucesso, essa língua de farrapos, incluindo uns tipos lá do Texas.
Para além do enigma que constitui (por não haver nenhum efeito sem causa), o apagamento cultural da França é uma das tragédias da Europa. Mas a verdade é que, na 2ª Guerra Mundial, só duas coisas salvaram a honra da França da traição das suas elites: foi a voz do general de Gaulle refugiado na Inglaterra, e o sacrifício dos maquisards que deram o corpo às balas e enfrentaram a besta. As elites montaram o circo de Vichy e submeteram-se, tornaram-se colaboracionistas, e entregaram aos nazis os judeus e as minorias infra-humanas em vagões de gado.
Depois disso, de Gaulle ainda mandou bugiar a América, e recusou o papel de pau-mandado na NATO. Mas o espírito francês nunca mais se recompôs, e a Europa resvalou para o que hoje é. Não estão apenas em causa a filosofia e a cultura das Luzes, o racionalismo iluminista, as conquistas universais da Revolução, as barricadas da Comuna. Até o francês deixou de se falar.