Este ensaio de Miguel Real traz ao leitor grandes ganhos. Oferece-lhe o rol das principais luminárias do Sebastianismo, e esmiúça-lhes, um por um, o pensamento. É a vantagem de ter a papinha feita, coisa não despicienda em terrenos onde as névoas predominam. Além disso, e sendo os sebastianistas uma estranha seita, não possuem um pontífice canónico. Cada um deles traz à escola o seu ponto de vista e a sua contribuição. O edifício comum mal se mantém de pé.
Para se aquilatar do grau de toxicidade do sebastianismo, enquanto cultura da alienação histórica, da negação da realidade positiva, da recusa da consciência cidadã e do visionarismo mais impenitente, baste-nos ouvir:
"(...) Ainda que discurso alucinado, o sebastianismo, enquanto narrativa mítica, como afirma com denodada insistência António Quadros, constitui-se como um dos veios nervosos mais profundos e representativos da cultura portuguesa. Do mesmo modo, Fernando Pessoa considera o sebastianismo o único mito verdadeiramente português, que culturalmente singulariza Portugal.
Neste duplo sentido o retomamos nós, recusando formulá-lo seja como discurso verdadeiro seja como discurso falso, ponderando-o antes como discurso alucinatório, nem real nem ficcional, comungando de ambos os estatutos, delineador das condições de existência para quem mentalmente as comungue.
Ser sebastianista hoje, (...) significa não a esperança no indefinido regresso de D. Sebastião, nem acreditar neste como Messias regenerador da sociedade portuguesa, mas ter plena e real consciência de que o rendimento objectivo do trabalho diário e disciplinado não só não compensa, como todos os proveitos suplementares são extorquidos pela elite administrativa e política dominadora do Estado, ou pela elite económica que deste vive. (...) Ser sebastianista hoje significa ter plena consciência de que em Portugal só se atinge um patamar próspero de vida, se algo (uma instituição) ou alguém dotado de elemento carismático nos prestar um auxílio que nos retire do embrutecimento e empobrecimento da vida quotidiana (...). Esse algo ou alguém, quando negado em Portugal, impele à emigração, forçando o português a buscar no estrangeiro o que lhe é negado na sua terra natal. Neste sentido, o sebastianismo possui uma vertente positiva, que força o português a agir (...)."