domingo, 20 de dezembro de 2009

Em Nome da Pátria

Brandão Ferreira, que foi piloto da FAP, acaba de publicar um livro de muitas páginas, a que chamou EM NOME DA PÁTRIA - Portugal, o Ultramar e a Guerra Justa. É um livro surpreendente, que ele consagra à verdade histórica e aos bons portugueses. E ainda (não satisfeito com tanto) para que, na eterna luta, o Bem vença o Mal.
Eu tropecei nele há dias, quando não resisti a entrar na livraria. E foi enquanto lhe passava os olhos que me senti a viajar às arrecuas, a um tempo antigo, escuro e doloroso.
Os guerrilheiros africanos ainda são, no livro, os terroristas. As colónias seguem sendo as nossas províncias ultramarinas, que representavam 95% do território nacional e 60% da população portuguesa. Do colonialismo português não se poderá falar, por causa da tal verdade histórica, e porque isso envolveria ambições imperiais que não tivemos. O que Portugal realizou foi uma peculiar acção colonizadora, paternal e abençoada. A guerra das colónias era uma guerra justa, e ao fazê-la tinha o país toda a razão do seu lado.
Aqui é forçoso concluir que o Mondlane, o Nino Vieira, o Amílcar Cabral, o Agostinho Neto e outros eram todos portugueses maus. Assim como o Gungunhana, e os sumbes amotinados, e os ambuílas, e os cuanhamas, e outros muitos ao longo de muito tempo. Fossem eles portugueses bons e outro galo cantaria!
As Forças Armadas sustentaram um conflito de que estávamos a sair vitoriosos. E vitoriosos dele sairíamos, se a vontade de defesa nacional não tivesse claudicado, na sequência dos acontecimentos que se seguiram ao golpe de estado de 25 de Abril de 1974. Essa aventura duns rapazes nada patriotas e pouco responsáveis, agindo na ressaca duma noite mal passada.
Aqui o autor muda a ordem dos factores, põe o efeito no lugar da causa. Mas a sua arrogância vai mais longe. Permite-lhe verberar o comando de Vassalo e Silva na Índia, e considerar lícita a ordem de Salazar que pretendeu apenas ganhar tempo, trocando a vida do contingente por oito dias de teatro diplomático internacional.
Esbarra uma pessoa neste arrazoado e não acredita no que está a ouvir. Mas vai-se ver melhor e compreende-se. O autor terminou a Academia Militar em 1974. Depois fez um tirocínio de 18 meses na América. Ao regressar, a guerra era passado, e ele já não teve o privilégio de participar nela. Em 99 passou à reserva, e foi comandante de linha aérea. Algures neste percurso fez-se mestre em estratégia no ISCSP.
Quer dizer, o sr. tenente-coronel parece mas não foi. Nunca provou as guerras africanas, e assim tão pouco lhe custa mandar a realidade às malvas. Tudo quanto faz sobre o assunto é teorizar by the book. E estaria no seu integral direito de escolar aplicado, se o que pratica não fosse um exercício de renovada mistificação e antiquíssima trapaça. Nos arquivos, donde foi desenterrar anacronismos, não encontrou notícias do Exercício Alcora, nem dos planos do regime colonial de pôr nas mãos da defunta Rodésia e do extinto apartheid sul-africano a tarefa de esmagar os terroristas maus portugueses.
Adriano Moreira, que terá sido seu mestre no Instituto, cedeu à obra um prefácio. A perspectiva do autor tem parentesco com a iluminação do V Império, que não se apagou de Vieira a Agostinho da Silva.
Se não há ironia nisto, nem esse parentesco é verdadeiro. O V Império é um Além de iluminados, é o prado metafísico onde pastam os visionários, resguardados das contingências do mundo. Não é o caso desta obra, que, a despeito da miopia, em momento algum se afasta da factualidade concreta. Nem do autor, que está parado no tempo, confuso no nevoeiro. Segue padrões muito antigos, quando invoca a Pátria em vão.