Nessa altura a messe da base aérea era um oásis, uma
espécie de última fronteira. Para lá dela restava só sonhar com bailarinas
inglesas, que vinham de Moscavide a cavalgar um can-can pelos bares da baixa de Luanda, enquanto sorviam gargalhadas
de champanhe dos roceiros do café.
O tecto do bar da messe era o sinal duma antiga idade de
ouro, dos tempos originais, quando tudo estava ainda concentrado nos Dembos do Angola é nossa. Havia pintado nele um
firmamento, com as constelações todas do hemisfério Sul. E tinha duas majestosas
colunas de som, que vieram da Inglaterra, e mais pareciam as costas dum sofá.
O Vasco tinha morrido, o Manel fora com ele, do Raul já poucos
se lembravam, vitimado à descolagem por um compressor gripado. Eu escapara há
pouco duma alhada, de que só a juventude e as divindades dela me livraram, com
rasgões fundos na alma. E aguardava retirada para Lisboa.
De forma que à noite, estendidos no tapete, berricávamos
dois copos, enquanto ao fundo uns casais de residentes tricotavam conversas de
mulheres. Nós revíamos o can-can das inglesas,
e deleitávamos o ouvido nos altifalantes com as badineries do Bach, nas versões híbridas do Jacques Loussier.
Uma noite achei melhor promulgar um edital: Faça deste lugar uma sala de música, e não
um pátio onde cacarejam galinhas! E afixei-o na porta.
As mulheres das conversas olharam-me sem mercê. E fizeram
queixa ao comandante.
Sabendo muito bem no que se achava metido, o comandante salvou-me
da fúria das erínias.