Responsório
Vais-me dizer que eu
inventei a história. Que eu sou um cínico e a história é impossível. Andas
muito longe da verdade.
O padre Abreu não é
padre, nunca chegou a sê-lo. Não tem cabeça para teologias e as latinadas
cansam-no. Mas veste-se à futrica, como os padres modernos, e sempre que pode exercita
a função. Mora aqui na cidade. E o povo, que não separa o facto do direito,
chama-lhe padre Abreu.
Razão terá, que o padre
Abreu não sonha com outra coisa, passa a vida na sé. Ajuda à missa, cuida da
liturgia, aconselha as devotas e decora os responsos. Já perdoou pecados
capitais, e há gente que entrou no céu por sua mão.
Há tempos foi preciso
enterrar um cristão, numa aldeia dessas despovoadas, onde nem padres vão. E o
padre Abreu lá foi, a encomendar o defunto, a devolvê-lo ao pó. Mas os parentes
vieram a saber que o padre Abreu nunca tomara ordens e temeram o pior.
Puseram-lhe uma demanda em tribunal.
O padre Abreu sentou no
banco dos réus a gravidade e a mansidão dum sócio do Vaticano. Alegou em defesa
o serviço de Deus e afiançou as encomendações.
- Pois faça aí o
responsório dum defunto! – ordenou o juiz, a esfolhear os códigos. – Já veremos
se merece remissão!
Não pedia outra coisa o
padre Abreu. O meretíssimo chegou ao fim apaziguado, como quem deixa um amigo
em boas mãos. E absolveu o réu.