[Ao meu amigo JJ, que me chama aviador e é doido por aviões]
Não garanto que fizessem parte do Pacto Ibérico, mas na
prática era como se o fossem. Mal o Verão chegava, começavam as vilegiaturas de
fim-de-semana em Espanha. Dum lado saíam parelhas de T6 a Málaga, por Jerez de
la Frontera. Doutro eram os Fiat G91, por Cáceres até Madrid. Antes disso os
F86 arriscavam até Palma. Porém desses não guardo testemunho.
O Roda era um gabiru que sabia mais que o melinas!
Aturara os dinossauros dos T33, antes de começarem a apresentar fissuras que
lhes interditavam manobras acrobáticas. Tratava por tu esses burros-do-mato dos
F84. Mas o seu menino predilecto era o F86, e a coqueluche das turbinas do Fiat
– já temos avião novo, quando aterra põe
um ovo! Era o pára-quedas de travagem.
O Roda tinha horas aos milhares, ao pé dele eu nem
chegava a ser um aprendiz. Um dia fui a asa dele até Madrid, e a neblinha era
tal que nem sei como é que o Roda deu de caras com a pista. Os anfitriões levaram-nos à cidade num Seat 600 de serviço, e logo
aí me deram a primeira lição.
A pensão era mais central do que as Portas del Sol, e ao
outro dia fomos de visita ao Vale dos Caídos e ao Escorial. O cicerone, um ancião de
bengala, contou-nos dos podrideros
que havia nas catacumbas, esse lugar onde os duques de alba se reduziam a pó, antes
de os arquivarem em sarcófagos. Aprendiam assim os duques de alba os caprichos da fortuna, e para
mim já era a lição dois.
O pior foi no regresso. O Roda colocou-se à minha asa, e
até à posição de espera tudo correu pelo melhor. Mas tudo se complicou quando a
torre se pôs a debitar as instruções após a descolagem, num inglês de Ferrol... - Clai-man-mantein-flai-level-uánafaivaziro! E eu a soletrar-lhe – Sei-aguein!
E o castelhano a dar-lhe – Claim-tausen-faive-andrade-fit! - e coisa e tal… E eu a pedir-lhe desculpa – Sei-aguein!
Em boa hora o Roda perdeu as estribeiras! Esporeou a
Rolls-Royce, travou logo ali ao lado, levou o punho direito ao capacete e
avançou para número um. Repetiu ao castelhano as instruções recebidas e eu
descolei atrás dele.
Durante toda a subida, a cerração da neblina não fez
senão aumentar. E quando finalmente nivelámos, cedo comecei a ficar atrasado. E
pouco havia que eu pudesse fazer, porque caí no desespero duma vertigem. Tranquei-me no cockpit, aferrado aos instrumentos. E de vez em quando arriscava
uma mirada ao Roda, que lá seguia à distância, numa aparente indiferença de mosquito.
A dada altura um controlador longínquo viu os ecos no radar, quis saber se ia ali uma
parelha ou duas. E quando aterrei no destino, já o Roda estava em casa. Eu
achei aquilo natural, pois que remédio, cada um é para o que nasce! Foi essa a lição terceira.