Livro de reclamações
Nunca percebi bem porque é que a noite
como qualquer outro espaço em que pessoas
ora se dfivertem, ora (se) consomem,
não tem livro de reclamações.
Não que eu seja - longe disso - um desses sujeitos
sempre zangados com a sua própria sombra
que só sabem dizer : é uma vergonha. pá!,
e mandam vir o livro por tudo e por nada,
e têm o fel fácil,
e se comprazem a borrifar com ele
meia dúzia de frases de desforço, julgando talvez que alguém as lê.
Não sou.
Mas certas noites, caramba, são tão cheias
de estampidos, que apetece pedir
o livro que não há e lavrar nele
protestos, libelos, gritos
de alma magoados.
Ou, em alternativa, pingar nele
as três ou quatro gotas
dum poema com suas lantejoulas -
- que é, como se sabe, a menos idónea,
a menos funcional e a menos lucrativa
modalidade de reclamação
(embora seja aquela em que, estupidamente,
temos mais fé).
[A.M.Pires Cabral, A noite em que a noite ardeu, Cotovia]