
Vivi anos no Porto, nem os conto. Mas nunca o encontrei, nem ele a mim, inglêsmente cinzento, molhado e friorento, corrido pela nortada. Vi sempre ali uma aldeia muito grande, um labirinto medieval, que nunca teve a catástrofe dum terramoto, nem um Pombal iluminado, nem o Manuel da Maia, nem o Carlos Mardel, nem o Eugénio dos Santos que o riscassem à moderna. Ficou um lugar antigo, tosco e rústico, uma aldeia de gauleses onde ficou o melhor e o pior de todos nós: o ar da mula que não alija a carroça. a risada que desdenha cosmopolitismos aviados em botica, um arcaz onde guardámos os atavismos mais fundos, um horizonte pacóvio que não vai além do bairro, e a farronquice de pagar a frívola Casa da Música e voltar contente a casa. Para mim, ao longo dos anos, o Porto era tudo isto, e não tinha a consciência de o ser. Que é a única maneira de alguém ser alguma coisa.
Foi assim com grande alívio que uma dia o deixei para trás, como faz um filho ao pai: mata-o para lhe sobreviver, o Freud explica.
Hoje o Porto faz-me falta, e com prazer o reencontro, se preciso. Como ele é, me retribui. Na Latina tinha à espera esta pequena pérola dum autor italiano. Já não via há muito tempo luzir uma coisa assim, a ela vamos voltar.