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Os dias
quentes e as noites frescas passaram com a rapidez do vento, os montes de neve
desapareceram das depressões escuras do terreno, e as tonalidades cinzentas da
paisagem da tundra transformaram-se num flamejante tapete de flores amarelas e
rosadas. Mas a fêmea do maçaricão não chegou. As narcejas juntaram-se às
centenas, lutaram por uma reserva, acasalaram, fizeram ninhos. Prepararam-se
para dar início a um novo ciclo de vida, objectivo pelo qual tinham voado dez
ou doze mil quilómetros. O maçaricão lutou como um louco contra as tarambolas,
contra qualquer maçarico-das-rochas que atravessasse a fronteira da sua reserva,
até esta ficar salpicada das penas castanhas dos intrusos, que demasiado tarde fugiram
aos seus ataques. As hormonas do acasalamento, segregadas pelas glândulas,
acumulavam-se nele como uma carga explosiva.
Investiu
contra cada narceja que ousasse chegar-se a ele. Porém, o seu modelo instintivo
de comportamento não lhe permitiu ser hostil com as escrevedeiras, os
tentilhões e os lagópodes-brancos, que também povoavam a tundra. Estes não eram
biologicamente seus parentes próximos, nem lhe disputavam o alimento de que
necessitava para as crias, logo que a fêmea chegasse. Uma fêmea de galo branco
fizera o ninho a menos de cinco metros do lugar onde haveria de ficar o seu.
Mas o maçaricão mal dera por isso, e após alguns dias já tinha esquecido que ele
estava ali.
As
noites foram-se tornando maiores e mais escuras. As flores minúsculas e claras
da tundra deram lugar a sementes emplumadas, que pareciam tramas de seda. Muito
perto, um par excitado de tarambolas-douradas começou a gritar. A penugem negra
do papo e da barriga brilhava intensamente aos raios do sol matinal que
apareceu ao longe, no horizonte. Então elas começaram a voar em círculos,
rapidamente. O maçaricão sabia que as crias já tinham saído da casca. Tinham
acabado de deixar o ninho, bem desenvolvidas desde o início, como todas as
narcejas. E agora corriam ali à volta, antes de secarem completamente as cascas
de ovo que as tinham protegido. O Verão polar ia chegando ao fim.
Várias crias aveludadas corriam pela reserva do maçaricão, atrás da mãe que trazia comida. Este lançou um grito de aviso na sua direcção e investiu contra elas. As crias gritaram pela mãe, e isso teve sobre ela mais efeito do que o medo de uma ave estranha e muito maior. A fêmea não fugiu. Ficou parada e abriu as asas protectoras sobre as minúsculas bolas de penas que piavam, agachadas no tapete de musgo. O maçaricão levantou voo sem se dirigir a elas, e não voltou a atacá-las. Planou trinta metros até um monte de rochas onde poisou, observou como ela alimentava os filhos e esqueceu-os.
(Cont.)