Inês Pedrosa é uma mulher das letras, da cultura, da literatura enfim. Não projectará a sombra dum adamastor sentado num rochedo. Mas desenha na paisagem um vulto apreciável e consolidado. É dela a ilustrativa confidência publicada na revista LER nº 130.
«Recebi um e-mail solicitando-me a modesta tarefa de ler um romance ainda inédito e escrever "uma frase/crítica susceptível de aparecer na capa do livro". Não foi o primeiro nem o segundo e-mail que recebi - e até foi dos mais simpáticos (...). Há muita gente a pedir-nos esta coisa rápida e indolor de lermos 200 ou 300 páginas de um livro com o qual nunca sonhámos e escrever qualquer coisa sobre elas, assim de repente, para meter como prefácio, ou na contracapa, ou na mão dum editor.
Fico sempre assarapantada com o pedido (...). Durante muitos anos ainda ia respondendo que o melhor seria enviar o original para uma ou várias editoras, que têm pessoas dedicadas a ler originais, etc. Mas as réplicas culpabilizantes e o avanço da idade, com o respectivo e feliz aumento da imunidade à culpa, fizeram-me desistir. Não me apetece receber remoques de desconhecidos sobre a minha "insensibilidade", ou a minha falta de disponibilidade para o "serviço cívico". (...)
Acresce que perdi de vez a vontade de dar resposta quando me escreveu uma advogada, querendo "marcar uma reunião" para que eu "a ensinasse a escrever um romance". Expliquei-lhe a carga horária dos meus dias e sugeri-lhe vários cursos de escrita - e nem um "obrigada" brilhou na minha caixa de e-mail.
O curioso neste mais recente pedido é a descrição da campanha comercial da opus: "estamos a receber um excelente feedback por parte das principais livrarias [...]. Encontramo-nos a fechar algumas parcerias de divulgação com tvs, rádios, cinemas e outros media, sendo que o nosso plano de comunicação está muito focado nas redes sociais, com um story-telling muito arrojado".»
Pois toma e vai-te curar, Inês Pedrosa, e dá-te por satisfeita! Pior seria a ilustre advogada apresentar-se a arguir-te, com as legítimas expectativas de negócio que frustraste à outra parte. Para não falar dos prémios que se perderam. Mais molestados que tu por tal empreendedorismo, ficam no fim a triste literatura e o mísero leitor!