Tenho à espera a Feira
Cabisbaixa atrás dum microfone, a Feira do O’Neill, a feira de nós todos, que
um cego encomendou à biblioteca sonora. Mas encontro no jardim de São Lázaro a
Primavera a hesitar.
As camélias já andam
pelo chão e a Primavera a hesitar, incham os botões dos rododendros e a
Primavera a hesitar, os rebentos das tílias a explodir e a Primavera a hesitar,
os velhos da sueca, são quinhentos, a improvisar a banca e a Primavera a
hesitar, e a mimosa das coxas tentadoras a faltar-me no passeio, o riso
quotidiano, bons-dias mimosinha, e os dentitos de marfim, o drapejar da
pestana, o peito da mimosa a faltar-me nos olhos, as formas arredondadas a
morder-me no ventre e os pombos num badanal, a mulher desdentada a pedir-me um
cigarro, a levar dois para a amiga encostada na esquina, a solicitar-me o favor
dum lume, a mesura brejeira a agradecer-me, a aventurar se gosto de ir ao
quarto e eu a dizer-lhe que não, um trunfo a cair na mesa a esquartejar a
manilha e os pombos amotinados, e a mimosa que lá vem dobrando a esquina num
riso de Gioconda a tentar-me de longe, os pés que já não comando na direcção
dela, um instinto a farejá-la, a correr-lhe a garupa, o flanco acolchoado, o
lago misterioso, quanto vale o teu riso mimosinha, a Primavera ainda a hesitar
e eu a deslizar-lhe a nota na palma acetinada, um roçagar de leve, uma aflição
de seda…
E vou-me então à Feira
Cabisbaixa, à Feira do O’Neill, à feira de nós todos, que um cego precisa dela,
e a Primavera enfim se decidiu.