(Cont.)
O ponto alto do ciclo de actividade das glândulas acabava
de ser ultrapassado. A produção de hormonas era cada vez menor, e com ela
desaparecia lentamente o impulso de acasalamento e a agressividade. Em seu
lugar veio uma outra necessidade. Dantes era a defesa da reserva o primeiro
mandamento, mesmo mais importante do que a busca de alimento. Agora começava a
sentir as primeiras manifestações de impulso para o movimento que não se calava.
Nenhuma fêmea viera, e a reserva perdera significado.
De vez
em quando observava a tarambola-dourada, mas ela não se ia embora. Acabou por
deixar de se preocupar com ela e esqueceu-a. Durante um dia deambulou por ali.
Às vezes dava-se conta dos intrusos que lhe penetravam na reserva, mas logo os
esquecia. No dia seguinte outras narcejas chegaram à reserva. Chegavam e
partiam, e o maçaricão não lhes ligava qualquer importância. Uma vez voou mesmo
um bom bocado pelo rio abaixo, e ficou longe durante um par de horas. Foi a
primeira vez que deixou a reserva, desde a sua chegada, há dois meses atrás.
À sua
volta as narcejas novas cresciam rapidamente. Os pais abandonavam-nas e elas
tinham que fazer pela vida. Era uma separação brusca e total. Pais e filhos
formavam, cada um, o seu bando migratório.
Chegou o
fim de Julho. O pântano fervilhava de insectos e crustáceos, que eram o
alimento das narcejas. Havia agora alimento em demasia, e faltavam ainda alguns
meses para ao inverno. Mas o Árctico já tinha cumprido o seu papel. E o Sul
chamava insistentemente, semanas a fio, antes que os bandos de facto se
pusessem a caminho. O maçaricão, que durante todo o Verão lutara furiosamente
por ficar sozinho, ansiava agora por companhia. Isso nada tinha que ver com o
pensamento ou com a inteligência. Ele reagia simplesmente ao primitivo modelo
de comportamento da espécie, às alterações do ciclo fisiológico. Os dias eram
cada vez mais curtos, o sol cada vez mais fraco, e com isso reduzia-se também a
actividade da hipófise. As hormonas da hipófise estimulavam as gónadas a
derramar hormonas sexuais na corrente sanguínea. E agora, ao reduzir-se a
produção de hormonas sexuais, desaparecia o agressivo impulso de acasalamento,
substituído pelo instinto migratório. Era apenas um processo fisiológico. O
maçaricão não tinha consciência de que o Inverno ia chegar ao Árctico, e de que
morreria à fome quem se alimentava de insectos e ali permanecesse. Ele conhecia
apenas a irresistível força que agora o obrigava a migrar.
Porém,
algures no seu cérebro rudimentar, esboçava-se um processo de pensamento
elementar. Por que razão estava sempre sozinho? Onde paravam as fêmeas que o
seu instinto lhe prometia em cada primavera, quando o fogo nupcial ardia em
todas as suas células? Nesta altura, as outras aves juntavam-se em bandos
migratórios. Mas por que motivo não havia, entre as miríades de narcejas e
outras espécies de maçaricos, nenhuma outra com a penugem castanha clara, que
ele prontamente reconheceria como irmã de casta?
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