domingo, 19 de janeiro de 2014

O último maçaricão-esquimó 5

(Cont.)
           Duas espécies de maçaricões nidificam na tundra árctica: o esquimó e o norte-americano, que é mais abundante e um pouco maior. Na extensa família das narcejas, dos maçaricos-das-rochas e das tarambolas, são eles que têm as pernas e os bicos mais compridos. E, tratando-se embora de duas espécies diferentes, dificilmente se distinguem pelo aspecto exterior.
            O dia árctico era longo. E, apesar da aragem fresca a correr sobre a tundra, a atmosfera mantinha-se quente e húmida. O maçaricão esgaravatou o solo pantanoso em busca de alimento e regressou à guarda da reserva, observando atentamente o horizonte plano. Pouco antes do meio-dia surgiu ao longe, do norte, um búteo-calçado. Descreveu alguns círculos sobre o rio e atacou um pequeno roedor descuidado que se aventurou no musgo. Aos poucos, o grande caçador aproximou-se da reserva, e o maçaricão observou-o, temeroso. Finalmente o búteo atravessou a fronteira. Embora não marcada no solo, ela estava perfeitamente definida no cérebro do maçaricão. E logo este levantou voo e iniciou uma veloz perseguição. As suas asas batiam fortemente. E quando ficou perto do intruso, cujo corpo era dez vezes mais pesado, saiu-lhe da garganta um grito de aviso agudo e estridente. Durante alguns segundos o búteo não deu qualquer atenção às ameaças. Depois rodou para Norte e partiu sem luta. Teria podido matar o maçarico com um simples golpe de garras. Mas só matava quando precisava de alimento, e voluntariamente deixou o campo livre a uma ave que o fogo do acasalamento tornara tão insensata.
            O sol pôs-se entretanto, mas a vista não se desvaneceu. E, como um véu, a noite árctica desceu pela primeira vez sobre o maçaricão. Em breve a tundra arrefeceu e parou de repente o vento que uivara todo o dia. Seguiu-se uma penumbra, que não era propriamente escuridão.
            Por um impulso instintivo que ele não entendia, o maçaricão sentiu-se atraído para o monte seco de rochas, na base do qual se achava o espesso tapete de musgo que havia de abrigar o ninho. Este era o seu quinto verão e ele nunca tivera um ninho, nem uma vez sequer avistara uma fêmea da sua espécie. Só vagamente se lembrava do ninho e da mãe, no seu tempo de infância. Mas sabia, sem o ter aprendido, como se corteja uma fêmea e como se faz um ninho, como se isso viesse duma vida anteriormente vivida. Agora dormia, apoiado numa só perna e com o bico escondido nas penas do dorso. Dormia ao lado das rochas. Em breve o ninho estaria ali, era o que o instinto lhe dizia. Amanhã ou depois a fêmea havia de chegar, pois o curto ciclo da vida no Árctico não permitia demoras.

  
                                               O  CORREDOR DA MORTE

            SESSÕES  FILOSÓFICAS  DA  REAL  SOCIEDADE  DE  LONDRES
            nas quais se referem as actuais acções, estudos e obras de
            investigadores, em muitas e importantes partes do mundo.
            Vol. LXII do ano de 1772.

            ARTIGO XXIX
            Relato sobre aves, comunicado a partir da baía do Hudson. Contém observações sobre a sua história natural, assim como descrições latinas de algumas das espécies mais invulgares. Do sr. Reinhold Forster, membro da Real Sociedade.
            Antes da construção da manufactura da baía do Hudson, foi oferecida à Real Sociedade uma grande colecção de invulgares quadrúpedes, aves, peixes, etc, incluindo um catálogo dos seus nomes, locais de permanência, hábitos e modos de vida. Isto através do sr. Graham, que pertence à colónia de Seven River. Os gerentes da companhia da baía do Hudson forneceram as indicações mais corteses, por forma a que estas notícias pudessem ser completadas de tempos a tempos.
            (Uma vez que todas as aves descritas pelo sr. Forster têm entrada, sob idêntica designação, nos livros de ornitologia do sr. Latham, não se torna necessário fornecer aqui as descrições latinas).
            1. Falco columbarius. Esmerilhão-comum. Ave de arribação. 
            2. ...
            3. ...
          18. Espécie nova. Scolopax borealis. Maçaricão-esquimó. Esta espécie de maçarico é até hoje desconhecida dos ornitólogos, e é mencionada pela primeira vez na Faunula Americae Septentrionalis, ou no catálogo da fauna norte-americana. Os indígenas chamam-no “wee-kee-me-nase-su”. Procura alimento nos pântanos, comendo vermes, larvas, minhocas, etc. Passa por Fort Albany em Abril ou no princípio de Maio. Nidifica no Norte, regressa em Agosto, e migra para o Sul, em bandos gigantescos, nos finais de Setembro.