quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Vê-me só!

Primeiro aqui.
Depois ali.
[Harmónica de vidro (instrumento moderno segundo o modelo de Benjamin Franklin)]
[in HAJA LUZ! Jorge Calado]
« (...) A música também não o deixava indiferente. Durante a sua primeira estada em Londres, apreciara o som da harmónica de vidro, principalmente depois de ter ouvido o virtuoso irlandês Richard Pockrich. O instrumento derivava do vérillon francês e consistia numa bateria de copos de vidro, afinados com quantidades variáveis de água; o som era produzido esfregando o rebordo do copo com um dedo molhado. 
Franklin pensou que seria mais prático dispensar a água e trabalhar com copos de vários tamanhos, enfiados uns nos outros, trinta e sete ao todo. Mecanizou o aparelho com um sistema rotatório semelhante ao da dobadoira, accionado por um pedal. O novo instrumento (1761), a que chamou armonica por causa dos sons harmoniosos que produzia, foi um sucesso. A rainha Marie-Antoinette aprendeu a tocá-lo. Em 1791, o ano da sua morte, Mozart compôs o Adagio e Rondó para Armonica, Flauta, Oboé, Viola e Violoncelo, K617. Para Goethe, a música da harmónica de vidro revelava o "sangue do mundo". (...) Ao todo fabricaram-se uns quatro mil instrumentos de vidro.
Franklin achava que a sua 'armonica' era particularmente adequada à música italiana, "especialmente aquela mais suave e lamentosa". Tinha razão. Gaetano Donizetti compôs a famosa cena de loucura de Lucia di Lammermoor (1835) para a harmónica de vidro, (e só mais tarde a reescreveu para duas flautas). Tristeza maior não há: depois de ser forçada pelo irmão a fazer um casamento de conveniência, Lucia mata o noivo na noite de núpcias. Desgrenhada, de punhal na mão, o robe manchado de sangue, Lucia deixa a mente vaguear ao som etéreo da harmónica. 
Com o tempo, o instrumento caiu em desuso. Dizia-se que os seus sons cristalinos actuavam sobre os nervos dos ouvintes, causando depressão. Quem tocava a harmónica de vidro adquiria um temperamento melancólico (talvez sintoma de envenenamento pelo chumbo, um componente comum do vidro, absorvido através da pele).» (...)