quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Dickens

["Por favor, meu senhor, quero mais."
Ilustração de Cruikshank, para Oliver Twist, Charles Dickens, 1838]
(in HAJA LUZ! Uma história da química através de tudo. Jorge Calado]
Trabalho
«(...) Não era só o trabalho mecânico feito pelos sólidos. Havia também a nora posta a trabalhar pela água corrente dos rios, e o êmbolo a movimentar-se dentro do cilindro da máquina a vapor, graças ao trabalho das forças de pressão do vapor de água; e a electricidade que fazia saltar as pessoas, etc. Mas para o povo, o que contava verdadeiramente era o trabalho físico do homem e da mulher, do velho e da criança. Mencionaram-se já os efeitos terríveis do sobre-emprego causado pela Revolução Industrial.  A oferta era tanta, e na generalidade tão mal paga, que sobrava trabalho e não chegavam os trabalhadores, mesmo depois de contabilizados os filhos e os avós.
Ideologicamente, havia duas saídas para esta situação: a denúncia e a rebeldia (que algures conduziria à revolução), ou a sublimação e enobrecimento do trabalho, com as concomitantes reformas sociais para melhorar as condições dos trabalhadores. Filósofos e artistas distribuíram-se pelos dois campos. Em Inglaterra, em meados do século XIX, os romances serializados de Charles Dickens fizeram mais pela consciencialização do novo estado de coisas que havia que mudar, do que muitos discursos dos políticos e investigações dos sociólogos. 
Dickens tinha sentido na pele os excessos horrendos da industrialização capitalista. O pai fora preso por dívidas, e aos doze anos Charles teve de arranjar trabalho para ajudar a mãe e os sete irmãos - uma experiência negra que o marcou para o resto da vida. Negra também na cor. Cabia-lhe rotular e embalar frascos numa fábrica ou armazém de graxa preta, e ficava todo enfarruscado. O trabalho infantil e a exploração da criança viriam a ser alguns dos grandes temas da sua obra (...).
Para Dickens, a máquina a vapor era "um elefante louco e melancólico". Tal dialéctica concretiza-se numa combinação verdadeiramente shakespeareana de humor com horror. (...) É, porém, nos romances da sua última fase, nomeadamente em Tempos Duros e A Pequena Dorritt, que Dickens ataca o egoísmo económico e denuncia as condições sórdidas, verdadeiramente degradantes para a natureza humana, da vida industrial. Dickens revela-se como um grande e empenhado reformador social, que acredita na regeneração do homem e da mulher. O escritor exsudava energia. (...)
Dickens ganhou rios de dinheiro a dar recitais em que lia extractos dos seus romances, vivendo todos os personagens como um actor de muitas partes, extremamente comunicativo. O público chorava e desmaiava de emoção a ouvi-lo. A sua última digressão pela América, em 1867, deixou-o exausto. Tinha cinquenta anos e era um velho. Três anos depois morria. (...)
Pela mesma altura, Friederich Engels, o filósofo e empresário alemão com interesses em Inglaterra (o pai fundara uma fábrica de têxteis em Manchester), estudava a condição da classe trabalhadora inglesa. (...) Engels achava que as condições proletárias existiam "na sua forma clássica, na sua perfeição, apenas no Império Britânico, em especial na Inglaterra". Além disso os ingleses dispunham já nessa altura dos inquéritos e dados estatísticos essenciais a qualquer investigação sociológica séria. (...)
Em 1848, Friederich Engels assinava com Karl Marx o Manifesto do Partido Comunista. O resto é história que durou, pelo menos, até 1989, quando caiu o muro de Berlim. (...)»