«Nos anos de 1770 vivia-se o auge da época pneumática, com os químicos entusiasmados a preparar gases (ou "ares", com então lhes chamavam), por reacção entre substâncias, combustão de outras, ou, melhor ainda, aquecendo certos minerais. Apenas os metais pareciam ser incapazes de produzir gases por aquecimento. Basta evocar os nomes de Black, Cavendish e Priestley para se perceber que o centro de gravidade de tantas descobertas estava, indubitavelmente, na Grã-Bretanha. (...)
Em França, no início da década de 1770, aquele que viria a ser o maior químico do último quartel do séc. XVIII, andava muito ocupado com a composição química das águas e respectiva potabilidade. (...) Antoine-Laurent Lavoisier era um ambicioso cientista em início de carreira, determinado a trepar os degraus hierárquicos da Academia das Ciências. Um dos homens mais influentes na política científica francesa era Trudaine de Montigny (...). Lavoisier respeitava-o e admirava-o.
Trudaine de Montigny estava bem informado dos progressos científicos ingleses, pois herdara do pai um espião científico, Jean-Hyacinthe Magellan, a viver em Londres. Digamos que João Jacinto de Magalhães - para o apresentar sob o seu nome de baptismo - era um daqueles iluminados que acreditava nas vantagens da comunicação e difusão rápidas das descobertas científicas, e que, por isso, dedicava a sua vida a espalhar o que sabia e ouvia pelos cientistas de vários países. Foi através de Magalhães que Montigny soube, em 1772, dos trabalhos de Priestley sobre a impregnação da água com ar fixo (água gasosa, carbonatada). Percebeu a importância militar do assunto, dado que se julgava que as águas gasosas eram um bom impeditivo do escorbuto. Montigny ordenou a Lavoisier para repetir as experiências com urgência e fazer ele próprio novas investigações com o ar fixo e outros ares. A química estava em vias de mudar radicalmente.
Quem era e donde vinha aquele João Jacinto de Magalhães que introduziu as ideias de Priestley em França? (...) Nascera em Aveiro em 1722, estudara no Colégio do Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra, ingressara na ordem dos frades Crúzios. Em 1754 conseguiu dispensa papal para abandonar a vida monástica para se dedicar à ciência. Viajou pela Europa, ganhando a vida como tutor de jovens. Em Paris conheceu o médico António Nunes Ribeiro Sanches - outro português estrangeirado - que deve tê-lo ajudado. (Abra-se aqui um parêntesis para informar que Ribeiro Sanches, um cristão-novo forçado a emigrar para escapar às penas da Inquisição, correu a Europa até se fixar em São Petersburgo em 1731 como médico militar, especializado em doenças venéreas; Em 1747 mudou-se para Paris, com uma tença de Catarina II da Rússia; aí passou o resto da vida, praticando medicina e colaborando com os enciclopedistas).
Após o seu longo tour philosophique, Magalhães assentou em Inglaterra, terra de liberdade, em 1764. Sabe-se que foi instado a fazê-lo por Daniel Trudaine, o grande senhor das estradas, pontes e calçadas, pai de Trudaine de Montigny. (...) Estava pronto a revelar aos europeus continentais o que de melhor se ia fazendo na Grã-Bretanha. (...)
Em 1784 foi eleito sócio da American Philosophical Society, fundada por Franklin em 1744. Doou 200 guinéus à Sociedade e estabeleceu o "Magellanic Premium" destinado à "melhor descoberta ou melhoramento útil nas áreas da navegação ou filosofia natural". Mais de 200 anos passados, o prémio é o mais antigo galardão americano para êxitos científicos e continua a ser atribuído. Na sua mais recente atribuição (2008), foi parar a Margaret J. Geller pelas observações pioneiras da estrutura do universo. (...)
João Jacinto de Magalhães morreu em Londres em Fevereiro de 1790, após longa doença, tendo sido sepultado no cemitério de Islington (hoje um bairro chique de Londres). (...)»