A drogaria da rua não abriu esta manhã. Não era bem drogaria ao modo antigo, nem era perfumaria, a bem dizer. Vendia tudo sem ser preciso factura, mas durante todo o dia ninguém lhe abriu os taipais.
A papelaria já fechou há tempos, depois dumas tranquibérnias com os jogos da Santa Casa. Logo quando a raspadinha saía melhor que nunca. Restou a tabacaria, a resistir, a devolver boa parte dos jornais. Venha ela também a claudicar, é boa altura para deixar de fumar.
Na leitaria que liga à Internet uns reformados fiéis desfolham o jornal, enquanto dura o tempo e o cimbalino. Quando não há futebol, um deles disseca o mundo em alta voz. É da finança que fala, dessa corja dos banqueiros, da canalha dos políticos, dos jornalistas vendidos, dos alemães e dos outros. E uma figura eslava e reservada toma as suas notas numa agenda.
Da velha oficina gráfica não restam hoje sinais. Nem duma loja de electricidades que vendia interruptores, consertava candeeiros, media cabos a metro.
No galpão do carpinteiro já se não ouve o rezingar da serra, desapareceu o cheiro a serradura. E o mestre que faz molduras, corta vidros e vende reproduções, vem da outra margem do rio e passa o tempo encostado à ombreira. Diz que isto assim não leva a nada de bom, que a rua está a perder o aconchego, há quem jure que até se tornou mais fria.
Fica a loja do chinês que nem ao domingo fecha, e o sapateiro que chegou recentemente. E uma lojinha de incensos, e pagelas de santinhos milagreiros, e virgens de terracota. E o balcão das doçarias porque a gulodice é muita.
Só não há mãos a medir na frutaria. Das avós que escolhem as verduras da sopa, porque têm que encher a barriga à família.