«(...) Se é verdade que foram a respiração e a combustão viva que deram origem à química moderna, então os antecedentes mitológicos da química podem ir buscar-se a Prometeu, o titã que roubou o fogo a Zeus, deus dos deuses, para o entregar aos mortais. (...) O fogo é energia - a primeira arma - e esta tanto serve para o bem como para o mal.
É no grande poema épico, Teogonia, que Hesíodo apresenta a sua versão da Criação. Tudo começa com a emergência do Caos, da Terra e de Eros (o agente da procriação). A Terra gerou Urano (céu), as montanhas e Ponto (mar) e, depois de se unir a Urano, gerou outros deuses, entre os quais Cronos, que deu origem ao tempo. Cronos revoltou-se contra o pai Urano e assumiu o poder, até ser, por seu turno, destronado pelo filho, Zeus, que assim se tornou o deus dos deuses. Em qualquer genealogia que se preze, o filho afirma-se matando o pai. A isto chamou Freud o complexo de Édipo. (...)
Para os Antigos, o fogo era a origem da luz, tanto na Terra como no céu. Os gregos viam o universo em termos de esferas concêntricas, cada uma correspondendo ao seu elemento. Para além da atmosfera - domínio do ar - estender-se-ia a esfera do fogo, tão alta e distante que só nos apercebíamos das tempestades que a assolavam através do relâmpago ou do rasto das estrelas cadentes. Acima da esfera do fogo haveria o éter, também chamado quinta-essência (o vácuo não era permitido). (...)
O povo - cristãos incluídos - acreditava que as tempestades eram castigo dos deuses. Uma das montanhas míticas da Suíça, o monte Pilatus, perto de Lucerna, deve o nome (séc. XII) à crença de que Pôncio Pilatos, o Prefeito da Judeia e político perfeito que soubera lavar as mãos do julgamento de Jesus Cristo, acabara os seus dias nestes confins montanhosos do Império Romano. O monte atinge apenas os 2118 metros, mas a zona é famosa pelas frequentes e terríveis tempestades. (...)
Na Idade Média acreditava-se que as trovoadas locais eram causadas pelo fantasma de Pilatos, amaldiçoado por Deus-Pai. Para ajudar à catástrofe, a região seria também habitada por dragões, responsáveis pelas avalanches de neve e pedra. Tudo isto levou os autarcas de Lucerna a proibir, em 1370, o acesso ao Monte e ao lago Pilatus, para não perturbar ainda mais o espectro do juiz de Cristo, e assim prevenir maiores calamidades. As penas eram severas para os prevaricadores - prisão, exílio e até a morte - e o edital foi sendo periodicamente renovado. (...)
A subida do monte Pilatus passou a ser "de rigor" para os turistas ilustres de Lucerna. Lev Tolstói fez o percurso a pé em 1857; a Rainha Victoria preferiu o desconforto do cavalo em 1868; Richard Wagner tornou-se um habitué, com ascensões registadas em 1852, 1866, 1867 e 1870. Exilado na Suíça por razões políticas, a partir de 1850, Wagner viveu num arrabalde de Lucerna, na Villa Tribschen. (...)
Hoje, qualquer turista que se preze não deixa de visitar Tribschen, como também não perde a subida ao monte Pilatus, utilizando o famoso comboio que trepa os quatro quilómetros e meio do declive de 48% (máximo) em cerca de meia hora. A primeira linha de comboio, construída entre 1886 e 1889, foi um dos prodígios da Revolução Industrial na Suíça; a locomotiva a vapor fazia a viagem em setenta minutos. (...)»
[Idade semelhante e beleza parecida tem a nossa Linha do Tua, até Mirandela. Vamos enterrá-la à profundidade de cento e tal metros de água. Sobejamente merecemos o albardão que trazemos ao lombo há muitos anos.]