segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Mídia, media, mérdia

Diz o PÚBLICO, em Caras da Semana:


Kofi Annan - O derrotado
O antigo secretário-geral das Nações Unidas atirou a toalha ao chão e desistiu da tentativa de conciliar as partes em confronto na Síria. Apesar das muitas críticas de que foi alvo, não tem que se queixar de si próprio, mas sim de Moscovo, que se arrisca a pagar bem caro a sua inflexibilidade neste dossier. É que a guerra na Síria evoluiu para um cenário de instabilidade total, onde a possibilidade de controlar o cenário pós-Assad é cada vez mais remota. Annan sabia que as suas hipóteses de sucesso eram quase nulas. Pode ser criticado por ter demorado demasiado tempo a demitir-se, mas não por não ter feito tudo o que podia.


Mas o que é que se passa dentro deste vórtice de auto-destruição em que a Síria parece ter entrado há mais de um ano?! O país não tem petróleo significativo, que possa justificar os crimes de guerra praticados por Londres, e Paris, e a Nato ao serviço da América, que bombardeou a Líbia e precisava de destruir Kadhafi, tal como já tinha destruído Sadam Hussein. 
O pretexto, sempre falso, foi proteger os pobres líbios dum tirano, a quem se opunham uns rebeldes amantes da liberdade primaveril. E foi livrar-nos a todos das armas de destruição maciça que o Sadam tinha escondidas no deserto, e afinal não existiam. 
O resultado são dois países em ruínas, onde as empresas multinacionais ocidentais se instalarão para fazer bons negócios. A vida das respectivas sociedades recuou 50 anos, e o poder resvala inexoravelmente para as mãos de seitas de fanáticos teocráticos, que se regem pela sharia e o Corão. É o que se vai passando no Egipto, mas isso só chegará um dia!
Na lembrança anda ainda a história do Kosovo, esse país de marginais e traficantes que a Nato edificou, e onde a América possui a maior base militar da Europa, de que nunca ninguém fala.
Mas já chegámos à Síria, um país tradicionalmente secular dirigido com mão dura, e queremos entender o que se passa.
Sabemos, ou intuímos, que a Síria é peça central no controlo da bacia petrolífera que rodeia o Golfo Pérsico, onde convergem interesses concorrentes. Dum lado o eterno problema de Israel e da Palestina, e os interesses energéticos do Ocidente (europeu e americano); doutro lado o Irão, a China e a Rússia. 
Nós intuímos apenas que o Médio Oriente é o cenário mais quente do planeta, em termos geo-estratégicos e militares. Ouvimos falar dum exército de rebeldes que se opõem a Assad, e combatem a sua tirania. E lembramo-nos de que já ouvimos esta história.
Soubemos há uma semana, pela CNN, que Obama afinal há muito tempo autorizou a CIA a envolver-se na Síria e apoiar os rebeldes. Dinheiro, armas, apoio, aconselhamento, informação?
Sabemos que a ONU está paralisada por interesses inconciliáveis. Sabemos que Annan se demitiu da função emissário.
Neste imbroglio, o que é que os media nos dizem, para nos ajudar a pensar?!
Que há uma guerra civil na Síria, que os pobres sírios estão a ser dizimados por um monstro, e que o país está a ser aniquilado porque um tirano não cede. Que há duas partes em confronto inconciliável dentro da Síria, de igual legitimidade. Que só existe impasse porque há inflexibilidade de Moscovo, deixando na sombra a inflexibilidade da China, que também não anda a dormir.
Estes media são uma mérdia, que em vez de informarem cidadãos apenas nos transformam em carneiros.
Não nos dizem que a primeira obrigação de qualquer dirigente de qualquer país é resistir, com todas as armas, ao aniquilamento da sua terra por forças externas predadoras. Pois é isso que está a acontecer, mais uma vez, na Síria.