Tiago Patrício nasceu no Funchal em 1979, mas viveu em Carviçais até aos 19 anos. O rapaz tem prémios na poesia, escreve para o teatro, e coisa e tal. Há dias encontrei o seu romance Trás-os-Montes num escaparate e caí na emboscada. O que é que eu hei-de fazer deste meu apego aos campos e à vastidão das paisagens, à silhueta das serras no horizonte, à promessa bucólica dum renque de salgueiros na margem dum riozito?!
O livrinho era edição da Gradiva, e ganhara, em 2011, o Prémio Revelação Agustina, instituído pela Estoril-Sol. O júri que o seleccionou fora presidido pelo senhor Graça Moura, à frente de Oliveira Martins pelo Centro Nacional de Cultura, de José Manuel Mendes pela Associação Portuguesa de Escritores, de Maria Gil Loureiro pela Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas, de Manuel Frias Martins pela Associação Portuguesa de Críticos Literários, de Maria Alzira Seixo e Liberto Cruz a título individual, e de Nuno Lima de Carvalho e Dinis de Abreu pelos patrocinadores. Com as sugestões do título, a eminência da madrinha e a sombra destas figuras no terreiro literário, tudo eram favas contadas. Só um milagre me podia ali salvar.
Ressalvado o respeito pela gramática, o discurso narrativo não se afasta do grau zero. A estética da linguagem é a mesma dum programa de tradução automática. Umas tantas crianças evoluem e crescem num espaço rural, que não ganha especificidade própria. É numa aldeia de Trás-os-Montes como pode ser num qualquer acampamento de ciganos. O fio narrativo é uma colagem de quadros, damo-nos conta do crescimento interior das personagens à medida que evolui a natureza e o teor das peripécias. A ruralidade é falsa, a irrealidade é persistente, e raramente se ajustam o discurso, os conteúdos e as figuras. O todo é um desacerto, uma ausência de substância.
O autor dá a sua contribuição para esta espécie de loucura mansa em que todos vivemos, fugindo à realidade. Porém a maior dela vem dos sacerdotes ali acima descritos. Nenhum dos membros do júri leu duas páginas disto, e fizeram muito bem porque pouparam o tempo e a paciência. Mas emprestaram-lhe o nome e amamentaram um sistema alienado.
Salva-se aqui a lógica do editor, que aproveitou a deixa e fez negócio.
"(...) O Miúdo começou a cuspir e a arrancar as bostas que havia à volta dele e a atirar com elas aos outros que ainda estavam a tentar negociar aquele almanaque de raparigas despidas. Edgar aproveitou a oportunidade e acertou com uma bosta directamente na cara de Oscar e ele respondeu-lhe com insultos e pontapés falhados, porque se recusava a participar e a sujar as mãos na porcaria, mas ficou com a roupa e o cabelo encaracolado tão sujos que acabou por participar naquilo que se tornou num jogo com as regras semelhantes às do futebol humano. E como se tornou belo esse acto clandestino, naquela noite cheia, de lua esboroada entre os montes, numa semi-obscuridade, onde as bostas os atingiam na cara ou nas costas e se desfaziam em pedaços por dentro da roupa.
A Lua subia contrariada e ganhava uma cor branca, os grilos faziam-se ouvir com mais intensidade, um dos homens que fumava atirou com uma beata para o chão, uma das mulheres assomou à porta e abriu as pernas para urinar e um ribeiro escorreu pela valeta. Outra mulher queimou-se no fogão enquanto fervia água e veio até à rua gritar palavrões para os homens sentados em silêncio. Um mocho pousado numa árvore próxima piou e duas pinhas tombaram sobre o telhado da casa de pedra rente ao chão. Um dos homens mais novos foi ter com os cães encostados à cerca e começou a provocá-los até eles começarem a lutar, depois continuou a dar-lhes pontapés para que eles não parassem. Entretanto procurou uma pedra na base do muro e levantou-a. Tirou lá de baixo uma folhas enroladas e abriu-as várias vezes até encontrar o que procurava, depois pousou-as em cima do muro e, quando parecia que ia urinar, começou a fazer movimentos lentos e depois cada vez mais rápidos até que se vergou sobre o muro, apoiado na mão esquerda,enquanto a direita terminava o assunto. Esperou alguns instantes, até que se ouviu um fio de urina escorrer sobre as pedras. Abotoou-se e acendeu um cigarro depois de voltar a guardar a revista debaixo da mesma pedra."