domingo, 5 de agosto de 2012

Banha da cobra

A uns propagandistas bem remunerados, e outros publicistas avençados que andam aí a embandeirar em arco - que finalmente Portugal voltou a ter um saldo comercial positivo desde 1943 -  é preciso lembrar o seguinte. As contas desta nação só conheceram, ao longo da história, um sossego muito relativo, quando três quartos dos portugueses vegetaram na penúria e mourejaram de sol a sol, para que o quarto restante, da elite e adjacências, vivesse à tripa forra. 
Tudo o que sai deste quadro é foguetório conjuntural, que os deixa ficar muito mal no retrato.
Na realidade:
- Nos anos da 2ª Guerra, as exportações de volfrâmio e conservas de peixe perfaziam 40% do total exportado. E alguém descreveu nessa altura o país como "o deprimente espectáculo dum homem com os bolsos cheios e o estômago vazio".
- Para poupar os delicados olhos dos refugiados europeus à visão da miséria dos portugueses, Salazar mandou "reenviar os pedintes para o meio rural, internar os desviantes na Mitra, proibir andar descalço e mendigar".
- A saúde pública era um quadro assustador: morriam 40 em cada mil bebés, no primeiro mês de vida; em 1941, morreram 150 em cada mil, antes de atingir um ano de idade; a subnutrição e a miséria vitimavam os próprios adultos, reduzindo a idade média de vida para valores inacreditáveis.
- O próprio ministro do Comércio e Indústria em 1940, Dias Júnior, reconhecia em livro que "o salário médio do operário português não chegava para satisfazer três quartos das necessidades alimentares da sua família".
- No campo, a situação vergonhosa só mudava de cenário: em 1944, "a alimentação consumia mais de 80% dos gastos das camadas mais pobres"; e "os jornaleiros do Sul, sem trabalho certo, gastavam 70% dos salários de todos os membros da família com a alimentação, consumindo mesmo assim apenas 36% das gorduras indispensáveis".
Vem isto a propósito de quê?! Pois de nada! Porque um Salazar a seu modo fascista e colaboracionista, serventuário das elites, sobreviveu à derrota nazi. E logo esclareceu que, "se era indiscutível ter o totalitarismo morrido por efeito da vitória, já a democracia, tanto na sua definição doutrinária como nas suas modalidades de aplicação, continua sujeita a discussões. E bem!".***
Tudo isto só começou a mudar em Portugal com o 25 de Abril e os governos do Vasco Gonçalves. Tudo o mais são gargalhadas da mesma hiena que hoje ri de novo, enquanto nos faz a cama. E a quem um comité central, cego, estalinista e paranóico, ajudou a abrir as portas do poder. 
[*** Dados do PÚBLICO]