sexta-feira, 8 de junho de 2012

Vira o disco!

Diz a Cristas que não há dinheiro para mandar parar a barragem do Tua, e indemnizar a EDP pelos trabalhos já feitos. Não me custa nada crer que seja assim.
Diz o SEC da Cultura que o governo não abrirá mão do estatuto de Património Mundial, atribuído pela Unesco à catedral paisagística do Douro Vinhateiro, que a barragem parece vir pôr em causa. Não vejo como tal será possível.
Passamos a inútil vida a virar o mesmo disco e a tocar a mesma cegarrega!
 Aqui há uns anos, num governo de Guterres, ia a meio a barragem do Côa, quando alguém lá descobriu umas cabras picotadas nuns calhaus. Estavam lá, são genuínas, têm pelo menos 20 mil anos, datados pelo carbono 14. Não há que retirar-lhes merecimento histórico e valor cultural.
Mas há uma realidade que cabe na cabeça de qualquer pintassilgo: uma barragem é sempre um compromisso, entre aquilo que se ganha e aquilo que se perde, na sua construção. Sem apelo nem agravo.
Na altura desceram ao campo de batalha verdadeiros exércitos de vanguardistas culturais, de arqueólogos carreiristas, de espíritos bem-pensantes, de visionários com os alforges recheados de boas intenções. E metade do povo acabou mesmo a lacrimejar, que os cavalinhos não sabiam nadar.
O coração de manteiga de Guterres não podia resistir. Entregou 20 milhões à EDP (100 milhões de Euros!) e mandou-a farejar para outro lado.
E no entanto... havia soluções de compromisso. Talvez apenas sofríveis, mas havia, chegou a falar-se delas: manter intocados os auroques submersos, criando modos de acesso que permitiam visioná-los; ou simplesmente deslocar para outro lado os calhaus com painéis. Olha, para o museu que lá construíram num cabeço, e que hoje não passa dum elefante branco inútil e quase sempre vazio, onde pastam placidamente alguns cultores e outros apassionados pela arte rupestre.
O que de mais alimentício e substantivo lá encontra dentro o povo iletrado que nós somos, são as criações contemporâneas que as imagens sugerem, e que o Sarmento e outros pândegos lá deixaram esquecidas, numa sala de exposições temporárias.
  
De modo que a EDP levantou ferro, abandonou num descalabro vergonhoso a paisagem da obra, e foi descobrir rapidamente o vale do Sabor e o do Tua, para esgaravatar uns gramas de energia insignificantes. E em ambos os casos, mas particularmente neste último por razões específicas, a perda irrecuperável causada pela construção da barragem é calamitosa e sem compromisso possível.
Uma das cinco mais belas linhas de montanha da Europa, um monumento único ao trabalho de milhares de homens que nós fomos, e a fizeram à mão há cem anos atrás, é pura e simplesmente inundada. E a EDP promete contratar mais uns pândegos contemporâneos, para pintarem de amarelo os paredões e assim limitarem os danos ambientais.
Eu não sei qual é a solução, no ponto em que as coisas estão. Mas duas coisas sei eu.
A primeira é que não temos salvação, a não ser deitar a casa abaixo e fazer tudo de novo.
A segunda é que merecemos de sobejo uma qualquer tirania. Como esta, que nos pusemos em cima.