Acreditareis se vos disser que
fiquei em grande sobressalto, quando acordei de manhã cercado por um
destacamento de pulgões, que me entraram pela porta do terraço. Estremunhado e
confuso, terei feito a figura que se imagina. Porém, chegando à fala com o
comandante daquela tropa, que era um sargento, fiquei a saber das razões de tão
estranho caso, e fui informado de que estavam ali para me dar voz de prisão.
A minha intenção era boa, e
dispenso-me de explicar por que resolvi plantar um pé de salsa num vaso, ali ao
sol do terraço. Quis trazer o campo para a cidade, mas estava longe de imaginar
em que fadários me enrolava.
O pé de salsa começou a crescer,
tenro e mimoso como é da sua competência, mas um dia descobri que uma praga de
pulgões tomara conta dele. Eu respondi com a bomba de shelltox e não pensei
mais no assunto. Quando tudo voltou a acontecer, ainda retaliei com dose
redobrada, por tal modo que o pobre pé de salsa parecia um pinheiro de natal,
afogado em químicas brancas. Desisti mesmo de usar a erva na cozinha, pelo
menos enquanto o inverno não viesse lavar aquilo tudo. Mas os pulgões não
desarmaram, e pela terceira vez tudo voltou ao mesmo. Ciente, enfim, da grande
força do que tem que ser, desisti de combater a praga, e abandonei o arbusto à
sua sorte. Os pulgões devorá-lo-iam até às raízes, acabando exterminados pela própria
gula.
Muito se engana quem cuida. Pois
o destacamento que estava ali para me prender era a resposta ao meu desleixo
comodista, era a vingança das minhas cínicas maquinações, disse-me o sargento.
Havia não quê de direitos adquiridos, e não sei quanto de legítimas
expectativas a caminho de se frustrarem.
Desarmado por tão irrecusável
narrativa, só vi uma saída. Fui buscar a caderneta dum vago tenente de bigodes
que o mofino desfecho de la lys me deixara em herança, e recusei dar-me à
prisão por um sargento. Lembrei-lhe que não havia em curso processo
revolucionário algum, que o último já passara havia muito, e que ninguém pode
ser preso por patente inferior. Na verdade pouco tenho ido à rua ultimamente, e
não estava seguro de haver ou não outra revolução, motivo é o que nunca falta.
Mas o facto é que o inimigo não contava com esta arma secreta e vacilou perante
a manobra, senti-o perfeitamente. Eu levantei-me para explorar a débil
vantagem, enquanto ia dissertando sobre regulamentos. E a tropa lá retirou para
o terraço sem mais desacato, certamente para fazer o relato da missão ao
general. Quanto ao resto, quem viver verá, foi o que à saída me deixaram dito.
Eu fico à espera dos lances
seguintes. Aguerridos como já se viu, os pulgões estão por hora confinados ao
terraço, talvez me dêem tempo para as manobras de resistência adequadas ao
caso. Além disso o pé de salsa um dia vai esgotar-se e eu terei a meu favor a
ruptura de abastecimentos do inimigo. Não é fácil subir rações de combate pelo
algeroz do terceiro andar, e menos ainda caixas de munições. Se vir o caso mal
parado, terei de recorrer aos medianeiros da onu. O que eu não quero é ter de
voltar aos bombardeamentos aéreos do tempo da guerra na guiné.
***Eco de 2002