Há-de haver uns três meses, dormia eu a sesta sossegada debaixo do caramanchão, eis que um cheiro a pólvora me estremunhou. Havia uma grande fumarada no ar, e o silvo dos estilhaços punha num badanal a atmosfera celestial da tarde. Vai-se a ver, tinha-me caído um míssil no quintal.
O laboratório analisou os fragmentos e arredou depressa qualquer dúvida. A minha nespereira apanhara em cheio com um daqueles falos voadores que os submarinos da américa ejaculam por tudo quanto é sítio, quando lhes acirram os solenoides.
Aos protestos da minha diplomacia respondeu o pentágono com um pedido de desculpas. Que não era fácil o papel de xerifar o mundo inteiro já eu sabia. Ainda me lembro muito bem dos livros de cobóis, e da trabalheira que só o texas dava aos heróis da pradaria. Mas não podia deixar sem protesto as falhas duma tecnologia que não tinha aprendido a poupar inocentes. Os esquimós do fujiama passavam a vida a queixar-se, e mesmo a tia adozinda apanhara uma vez com um desses pénis transviados em cima.
O pentágono conciliou. Que mandaria substituir todas as cabeças de mísseis incapazes de fazer um selecção positiva dos culpados. Os tipos da inteligência artificial já estavam a construir ogivas bem pensantes, aptas a reagir a sentimentos de culpa.
E parece que deixou de haver razões de queixa. Aqui há dias foi despachado um míssil tomavaque, a reprimir a barbárie dos hunos. O míssil deu a volta à tartária, esquadrinhou meio mundo, e acabou a despenhar-se ruidosamente na fachada da casa branca. A televisão estava lá, viu-se perfeitamente uma funcionária jovem a vestir à pressa o robe de chambre, no meio dos destroços.
***Eco de 2002