domingo, 3 de abril de 2016

Meia-noite


Algo atrasado, com pressa, vi-a de repente no meio da estrada. Em cima da ponte sobre a ribeirinha, ao fundo da ladeira. Mas dei-me conta e parei.
Ela fez luzir dois olhos e seguiu, ao longo do traço branco. Lenta e baixa, cinzentona, de barriguita no chão. Desviou-se para a direita, sumiu-se na escuridão, a caminho das margens da ribeira. 
Lembrei-me que era uma lontra, lenta e baixa, não sei bem. Só a conheço de imagens. Mas agradeci-lhe o grande contentamento que ela tinha à minha espera na ponte da ribeirinha, àquela hora. 
Exótica e desgarrada, chegou a vir-me à lembrança que tinha ido a um congresso e desistira, daquela salgalhada de retóricas vazias e mistificações performativas. E antes que lhe chamassem conselheira, ou no mínimo assessora, foi-se embora. 
Foi por certo meu injusto pensamento, pobre bicho! Acelerei.