Passei a manhã na horta em tarefas de emergência. A horta ficou contente. Mas já sabe que perdeu esta batalha (a do tempo e da energia) com a escrita e a leitura, a caminhada e a vida. Que num mundo organizado há precedências e prioridades.
E à tarde tinha que ouvir, na biblioteca, uma palestra sobre o Herberto Helder ou o poema contínuo, apresentada por uma professora duma universidade a sério.
É benesse dum leitor ouvir falar de poemas a quem deles muito sabe, e não improvisa à pressa, e cultivou a dicção. Mesmo quando se debruça sobre aspectos que mais dizem respeito aos mestres de carreira que ao leitor.
A professora concedeu que tínhamos na mão um poeta difícil. Por oposição a outros que não são menos poetas, apenas menos herméticos. Sublinhou que uma correcta leitura é uma chave do leitor. A pausa certa, a correcta marcação, o andamento, a pauta das harmonias e da musicalidade presente no poema...
E confessou os segredos da abordagem pelo leitor, nestas palavras que um mestre há anos recomendou: - "Pega num livro do Herberto, abre-o ao acaso e poisa o olhar num verso. Pára, escuta e olha. Lê-o e vê o que acontece. Pode acontecer logo. Ou não. De qualquer forma, e para teu bem, espero que não seja necessário repetir essa operação mais do que duas ou três vezes. Porque vais sentir uma enorme necessidade de continuar ou de (re)começar a ler".
Eu nunca tive um mestre que me falasse assim. Se pudesse vir aqui, ouvir contar dos segredos que vivem na poesia, mesmo a horta me entendia!