É de afectos e paisagens que se trata, motivos de perdição. E eu avancei, no cúmplice do panzer.
De casa até Coimbra demorei três horas, num IP3
decrépito, debaixo duma cortina de chuva ininterrupta e sacrílega. O panzer
limitou-se a não gemer.
No Entroncamento fui ver lugares antigos, que precisavam dum
afago último antes de adormecerem.
Em Lisboa tive inveja dos que a habitam, sem disso terem
consciência clara. Assim é a natureza dos paraísos perdidos, que só chegam a
sê-lo quando deixam de o ser.
Recebi dum editor 300 quilos de livros, porque ele mudou de
instalações. Logo lhes chamei um figo e amontoei-os no panzer. A ASTA, esse lugar
radioso em terras de Riba-Côa, teve o seu jantar no salão dum hotel, organizado por
amigos solidários. Eram duzentos e cinquenta. E a Asta perdeu a oportunidade de viver o seu alento
de alma. Deixou o cardápio dos momentos do jantar na mão de empedernidos institucionais, mais activos no uso do power-point do que no das humanas emoções. A ASTA ficou a perder, mas não o sabe.
E uma vez sossegados uns afectos arrastei-me até Monforte, à procura das alentejanidades da charneca. Não há hospedaria no antigo burgo, nem um lugar onde arrumar o
cansaço. Mas há um wine hotel no arrabalde, com spa e ares modernos. Foi no século I (santo deus!) uma villa romana da família Basilli, chamada Torre de Palma. E lá cheguei depois de muito penar. O ajoujado panzer
só gemeu a sério nos últimos 3 kms. São de terra batida, com um rendilhado
infindável de buracos lamacentos. Mas lá chegámos os dois. Chovia grosso, e as
alentejanidades não as encontrámos, porque não estavam lá, que a primavera ainda não entrou.
Não me interessa nenhuma prova de vinhos, e os vinhedos não os vi, concentrado nos buracos. Nem tratos de beleza ou banhos turcos! Improviso uma
frugalidade para matar a fome, que me servem no quarto. E regalo-me com um banho de
imersão, o spa que me permito em troca da muita chuva.
O preço duma pernoita no wine hotel pede meças à dívida soberana. Mas um
dia não são dias! Pensava eu que afectos e
paisagens não tinham preço, mas têm.
Deixo em Monforte uma parte dos livros, a leitores que os merecem. E rumo a norte onde a Lapa já me chama, talvez o panzer me ature.
Fica a memória duns cavalos célebres e antigos, que se criavam
aqui na charneca, hoje terra de abetardas. Acabavam eles atrelados às quadrigas no fórum de Mérida, a magnífica. No tempo em que os montados ainda não morriam por aqui, dizimados por qualquer moderna peste.