«Em 1953, há 60 anos - apenas uma geração - a
Alemanha de Konrad Adenauer entrou em default, falência, ficou kaputt, ou seja,
ficou sem dinheiro para fazer mover a actividade económica do país. Tal qual
como a Grécia actualmente. A Alemanha negociou 16 mil milhões de marcos em
dívidas de 1920 que ... entraram em incumprimento na década de 30 após o
colapso da bolsa em Wall Street. O dinheiro tinha-lhe sido emprestado pelos
EUA, pela França e pelo Reino Unido. Outros 16 mil milhões de marcos diziam
respeito a empréstimos dos EUA no pós-guerra, no âmbito do Acordo de Londres
sobre as Dívidas Alemãs (LDA), de 1953. O total a pagar foi reduzido 50%, para
cerca de 15 mil milhões de marcos, por um período de 30 anos, o que não teve
quase impacto na crescente economia alemã.
O resgate alemão foi feito por um
conjunto de países que incluíam a Grécia, a Bélgica, o Canadá, Ceilão, a
Dinamarca, França, o Irão, a Irlanda, a Itália, o Liechtenstein, o Luxemburgo,
a Noruega, o Paquistão, a Espanha, a Suécia, a Suíça, a África do Sul, o Reino
Unido, a Irlanda do Norte, os EUA e a Jugoslávia. As dívidas alemãs eram do período anterior e
posterior à Segunda Guerra Mundial. Algumas decorriam do esforço de reparações
de guerra e outras de empréstimos gigantescos norte-americanos ao governo e às
empresas. Durante 20 anos, como recorda esse acordo, Berlim não honrou qualquer
pagamento da dívida (!).
Por incrível que pareça, apenas oito anos depois de a
Grécia ter sido invadida e brutalmente ocupada pelas tropas nazis, Atenas
aceitou participar no esforço internacional para tirar a Alemanha da terrível
bancarrota em que se encontrava. Ora os custos monetários da ocupação alemã da
Grécia foram estimados em 162 mil milhões de euros sem juros. Após a guerra, a
Alemanha ficou de compensar a Grécia por perdas de navios bombardeados ou
capturados, durante o período de neutralidade, pelos danos causados à economia
grega, e pagar compensações às vítimas do exército alemão de ocupação. As
vítimas gregas foram mais de um milhão de pessoas (38960 executadas, 12 mil
abatidas, 70 mil mortas no campo de batalha, 105 mil em campos de concentração
na Alemanha, e 600 mil que pereceram de fome). Além disso, as hordas nazis
roubaram tesouros arqueológicos gregos de valor incalculável.
Qual foi a
reacção da direita parlamentar alemã aos actuais problemas financeiros da
Grécia? Segundo esta, a Grécia devia considerar vender terras, edifícios
históricos e objectos de arte para reduzir a sua dívida. Além de tomar as
medidas de austeridade impostas, como cortes no sector público e congelamento
de pensões, os gregos deviam vender algumas ilhas, defenderam dois destacados elementos
da CDU, Josef Schlarmann e Frank Schaeffler, do partido da chanceler Merkel. Os
dois responsáveis chegaram a alvitrar que o Partenon, e algumas ilhas gregas no
Egeu, fossem vendidas para evitar a bancarrota. "Os que estão insolventes
devem vender o que possuem para pagar aos seus credores", disseram ao
jornal "Bild". Depois disso, surgiu no seio do executivo a ideia
peregrina de pôr um comissário europeu a fiscalizar permanentemente as contas
gregas em Atenas.
O historiador Albrecht Ritschl, da London School of
Economics, recordou recentemente à "Spiegel" que a Alemanha foi o
pior país devedor do século XX. O economista destaca que a insolvência
germânica dos anos 30 faz a dívida grega de hoje parecer insignificante.
"No século xx, a Alemanha foi responsável pela maior bancarrota de que há
memória", afirmou. "Foi apenas graças aos Estados Unidos, que
injectaram quantias enormes de dinheiro após a Primeira e a Segunda Guerra
Mundial, que a Alemanha se tornou financeiramente estável e hoje detém o estatuto
de locomotiva da Europa. Esse facto, lamentavelmente, parece esquecido",
sublinha Ritsch.
O historiador sublinha que a Alemanha desencadeou duas guerras
mundiais, a segunda de aniquilação e extermínio, e depois os seus inimigos
perdoaram-lhe totalmente o pagamento das reparações ou adiaram-nas. A Grécia
não esquece que a Alemanha deve a sua prosperidade económica a outros países.
Por isso, alguns parlamentares gregos sugerem que seja feita a contabilidade
das dívidas alemãs à Grécia para que destas se desconte o que a Grécia deve
actualmente. A ingratidão dos países, tal como a das pessoas, é acompanhada
quase sempre pela falta de memória.»