« Sobre a plutonomia e o mercado
Para a população em geral - os 99% na óptica do movimento Occupy - tem sido bastante duro. E tudo pode ainda piorar. É talvez um período de declínio irreversível. Para os restantes 1%, ou talvez menos - apenas 0,1% -, tudo corre pelo melhor. Estão mais ricos e poderosos do que nunca, controlam o sistema político e desprezam a população. E se esta situação se puder prolongar, por eles tanto melhor. É precisamente aquilo para que Adam Smith e David Ricardo nos alertaram.
Pensemos por exemplo no Citygroup. É há décadas uma das mais corruptas instituições bancárias de investimento, por diversas vezes resgatada pelos contribuintes. Começou nos anos da administração Reagan, e agora novamente. Não me vou debruçar sobre a corrupção - não será uma novidade para vocês - mas é um tema que me espanta continuamente. Em 2005, o Citygroup concebeu um folheto destinado aos investidores e intitulado "Plutonomia: Comprar Artigos de Luxo e Explicar os Desequilíbrios Globais". O folheto incitava os investidores a aplicarem o seu dinheiro num "índice de plutonomia". Lê-se no comunicado: "O mundo divide-se em dois blocos: a plutonomia e os restantes".
A plutonomia é dirigida aos ricos, àqueles que compram artigos de luxo, entre outros bens, e é esse o centro de toda a actividade. O banco anunciava que o seu índice de plutonomia ultrapassava consideravelmente o mercado bolsista, por isso era nele que as pessoas deviam investir. Quanto aos restantes, que se desenrascassem. Não precisam deles. Têm de os ter por perto para sustentar um estado poderoso, que proteja e que resgate os ricos quando estiverem em apuros, mas para além disso os restantes não têm qualquer utilidade. Hoje em dia, há quem diga que são o "precariado" - pessoas que têm uma existência precária na periferia da sociedade. E já não é só na periferia. Estão a tornar-se uma parte substancial da sociedade dos EUA, e na verdade de outros países. E parece que os mais endinheirados não vêem mal nisso.
Assim por exemplo, Alan Greenspan, na altura em que era ainda o "santo Alan" - louvado pelos seus colegas da área como um dos maiores economistas de todos os tempos (antes do crash pelo qual foi o maior responsável) -, depôs perante o Congresso no tempo da administração Clinton, e explicou os prodígios da grandiosa economia que supervisionava. Disse que grande parte do êxito desta economia se baseava substancialmente na dita "insegurança crescente dos trabalhadores". Se os trabalhadores se sentirem inseguros, se fizerem parte do que actualmente se chama "precariado", se tiverem vidas precárias, não farão exigências, nem hão-de lutar por salários ou ter regalias. Podemos livrar-nos deles quando nos forem inúteis. E, em teoria, é esta a noção de uma economia "saudável", e Greenspan foi muito elogiado por ela, e muito admirado.
O mundo divide-se agora realmente entre uma plutonomia e um "precariado", entre os 1% e os 99%. Não são os números exactos, mas a imagem é certa. Agora a plutonomia está no centro de tudo.
Se esta situação se mantiver, o retrocesso histórico que começou nos anos 70 do século passado pode tornar-se irreversível. É para este cenário que nos encaminhamos. (...)»
[Nota: Com os proverbiais 40 anos de atraso, estamos nós a chegar ao centro do retrato.]