Manuel Alegre é um poeta, um homem de letras e cultura, por força há-de ser um jardineiro da língua. Isto para não dizer que mais lhe incumbe, no jardim da gramática, o papel de arquitecto paisagista.
Na televisão, ele acaba de dizer que Mário Soares esteve em perigo de vida.
E isto é uma irritante aberração semântica. Porque uma coisa é ter a vida em perigo, equivalente a estar em perigo de morte. Outra coisa bem diferente é estar em perigo de vida, que é coisa que não existe. Salvo enquanto sarcasmo metafórico, como acontece em Portugal nos dias que vão correndo, em que estar vivo significa estar em perigo.
O linguajar indígena já fez desta expressão lugar-comum. Porque pensa pouco na gramática, para não dizer que tem mais em que pensar. Não é esse, porém, o estatuto dos jardineiros da língua, muito menos dos paisagistas dela. Cá por mim, ainda me lembro muito bem da meninice, quando todos os postes de ferro da EDP assinalavam em placa: PERIGO DE MORTE! ALTA TENSÃO! Com um raio de Zeus que me assustava.