Aproveitando as modas da escrita criativa, tirei-me de cuidados e fui ver um workshop. Cheguei tarde. Oito bicos discutiam o acordo ortográfico, enquanto iam fazendo as apresentações. Havia três professores.
Este porque gosta de torturar as palavras. Já aquele prefere brincar com elas, enquanto a esposa vai ao folclore. Nesta despertou há um mês o interesse pela escrita. Faz poemas, escreve um diário, que é jovem mas corre bem.
A mestra não sabe o que quer dizer printar, nunca ouviu falar de um print. E tem ao fundo um ecrã onde projecta instruções: Escrita Criativa - Uma Questão de Semântica?
Ao fim de um quarto de hora já a turma está industriada nos segredos da escrita em harmónio, arriscando mesmo um exercício prático de narrativa sanfonada. O frenesi correu bem.
O tópico seguinte era o texto descritivo, e o respeitinho devido a adjectivos e a imperfeitos verbais. Eu inventei um pretexto e fui à vida, porque o preço do parque dos Poveiros não tem descrição possível.
De forma que, leitor empedernido, se vierem impingir-te herbários de folhas secas, portfolios de prémios do mercado, e lapelas cobertas de medalhas da escrita criativa, diz-lhes que a escrita verdadeira começa por longos anos de humilde leitura em voz alta. E depois disso não dispensa tripas, nem suor, nem merda, porque é da vida que nasce.