Alguns dormitam, maçados,
nos beliches, ele viaja a noite inteira a pé. Entre o bar e o corredor, entre
uma nova cerveja e os considerandos do salário que recebe. Quase setecentos
contos, mesmo quando não embarca. Como agora, que vem a casa ver a mulher. Mas
isso vai acontecer só amanhã, lá pelo meio-dia, em chegando à Pampilhosa,
depois de atravessar a infindável noite basca, leonesa, castelhana, num
Sud-Expresso lôbrego.
Alfredo tem trinta anos e
deixou a escola antes do tempo, em Mira. Foi trabalhar com o pai, no tempo em
que havia quarenta companhas só nas artes da xávega. A princípio puxavam a rede
à unha, com juntas de bois que enterravam os cascos no areal macio. Hoje não
chegam à dúzia. O peixe foi-se embora, será culpa das chuponas espanholas. E ficou tão barato na lota quanto é caro nas
bancas do mercado, não se compreende Portugal. Paga-se o gazol do barco e o resto mal dá para viver. De forma que o pessoal
começou a emigrar e ele foi parar a Quipert, ao pé de Nantes. Foi há dois
meses, mais um cunhado, é esta a primeira vez que vem a casa.
Em Quipert saem para o mar à
quinzena e Alfredo é o cozinheiro. O dono do barco é tão velho que já não
navega, toda a companha de sete é contratada. Mas o peixe vai à lota ao mesmo
preço para todos e toda a gente ganha. Só não se entende o que se passa em
Portugal.
Alfredo vem excitado com os
considerandos do salário que recebe. Jantou no vagão-restaurante, bebeu uma
garrafa de bom vinho, no fim pediu um conhaque e pagou quarenta euros mas valeu
a pena. Depois foi aturando a noite a poder de cervejas, e é por isso que já
lhe arrasta a voz, e tem este bafo choco e amargoso, e repisa outra vez os
considerandos do salário que recebe. Quando chega a Vilar Formoso desce ao cais
durante meia hora, o tempo de mudar a máquina ao comboio. Bebe outra cerveja na
cantina, com uns camaradas negros que exercitam um hip-hop lusófono, e também chegam da Europa.
Lá pelo meio-dia, toldado como vai, Alfredo levará tempo a encontrar-se com a mulher. E logo que o conseguir, vão ser horas de apanhar outra vez o comboio para voltar a Quipert, ao pé de Nantes. Onde agora é cozinheiro, sempre que sai ao mar, a pensar nos considerandos do salário que recebe.
Lá pelo meio-dia, toldado como vai, Alfredo levará tempo a encontrar-se com a mulher. E logo que o conseguir, vão ser horas de apanhar outra vez o comboio para voltar a Quipert, ao pé de Nantes. Onde agora é cozinheiro, sempre que sai ao mar, a pensar nos considerandos do salário que recebe.