Angelina tem mais de setenta anos e vive
em Dine, que é o lugar onde nasceu. É uma aldeia com fornos de cal, abandonados
há muito. E fica atrás do derradeiro monte que limita os fins do mundo.
Chega-se lá depois de passar muitas encruzilhadas, e é um lugar tão bonito que
nem apetece deixá-lo.
É aqui que Angelina vive, com uma cadela
que se chama Luna. Ouve uma pessoa um nome assim e põe-se logo a fazer
perguntas ao instinto.
A seu tempo foi Angelina mãe solteira,
duma filha que vive na cidade. Trabalha no comércio, a rapariga, e Angelina
está toda contente. Gosta mais de a ver longe neste ofício, do que perto a
labutar no campo. Ressalvando a tristeza comum de se encontrarem só de horas em
quando. Mas um dia há-de-lhe dar uma netinha.
Angelina vive perto da fontana, ao lado
duma represa que também serve de tanque de lavar. E quando chega o Natal faz um
presépio ali no jardinzito, para alegria e animação do povo. A casa fica além,
debaixo da parreira, e vivem hoje nela a dona e a cadela, conforme antigamente lá
viviam a filha e a mãe já velha. Sempre que voltava a casa, Angelina punha-se a
fingir a voz duma vizinha, às punhaladas na porta com recados urgentes. – Oh
que assim és tontinha, minha filha! – E riam ambas no fim.
Ao contrário do resto da aldeia Angelina
não anda de preto, porque não é viúva. E por sobre ser uma mulher com ar
alegre, tem um espírito aberto, dado e solto. O melhor será chamar-lhe livre,
porque o é. Ninguém lho amansou, que é o que sucede as mais das vezes, quando
passa por cima das mulheres o rolo compressor da conjugalidade.
À despedida oferece-nos um tantinho
de nozes e castanhas. E confessa que, por esse mundo além, só lhe agradava ver
a árvore de Natal numa praça do Porto. Dizem na televisão que não há outra
maior, e ela acredita.