« (...) Humberto Eco é sempre citado e referido para lhe ser dada razão e fazer soar o aplauso. Ele já
teria morrido de medo e privação, se deixasse de escutar a aclamação unânime tanto das massas
integradas como das elites fugidas ao apocalipse.
A grande proeza “vanguardista” de Eco foi a de ter consagrado a cultura de massas e estabelecido uma paz perpétua entre a elite e a massa. Com enorme vocação demagógica e génio para o exercício da homologação, ele propôs-nos que as mais profanas comédias dos best-sellers contemporâneos são tão excitantes e dignas como a Divina Comédia; e que isso da ciência dos signos é tão interessante e profundo nos Estóicos como num romance policial; e que nos espera uma felicidade imensa, capaz de esconjurar a maldição apocalíptica, se lermos a Madame Bovary como um romance de aventuras.
Ele instaurou com êxito o grande regime da grande tolerância cultural, da culturalização generalizada, precisamente aquela onde prosperam as formas da nova barbárie. E é esta indiferenciação cultural, expurgada de toda a imprecação e de todo o furor, de toda a crítica e resistência política, que suscita o aplauso e incute a ilusão de actualidade.
As categorias dos apocalípticos e dos integrados serviram a Eco para dar caução teórica à sua vocação de comediante e enciclopedista estéril. Mas serviram também para se apresentar como um mágico da nivelação de público, de géneros e até de profissões: nivelação do kitsch com a vanguarda, fusão do jornalista com o universitário, do grande teórico e erudito com o showman que se dá como atracção a uma “classe média” planetária, que alimenta uma devastadora "democracia cultural”. (...)»
[António Guerreiro, in Ipsilon]