« (...) O decréscimo da quantidade de trabalho necessário para produzir o mesmo número de mercadorias (materiais e imateriais) que dantes exigiam contingentes enormes de trabalhadores é uma realidade amplamente estudada, que levou alguns sociólogos a falar, desde os anos 80 do século passado, no fim da sociedade do trabalho. (...)
Dos mini-jobs, na Alemanha, aos estágios remunerados, em Portugal, o objectivo é quase o
mesmo: apresentar estatísticas que indiquem uma percentagem tolerável de desempregados, para as necessidades e os ideais de uma sociedade de trabalho.
Entretanto, a realidade vai-se alterando e quem esteja atento já percebeu que a divisão dualista que coloca de um lado os empregados (idealmente estáveis e a tempo inteiro, ainda depositários dos valores tradicionais da industrialização) e do outro os desempregados começa a mostrar-se inadequada. Os chamados “indiferentes ao trabalho” e as actividades de auto-produção constituem uma massa em crescimento que fica tendencialmente fora do radar das estatísticas. A descida do valor do trabalho (pelo menos, em Portugal, nos últimos anos) é hoje de tal ordem que já há muita gente que não se deixa convencer por um princípio que se foi impondo progressivamente como mandamento de uma nova condição servil e que diz o seguinte: “Pouco importa o montante do salário desde que tenha emprego”.
O resultado da rebelião, como sabemos, é um fortíssimo aumento da emigração qualificada. É verdade que a salários baixos corresponde um fraco poder de compra, e isso é um problema para a racionalidade capitalista. Mas esta é plena da argúcias: o consumo e a produção acabaram por ser assegurados não pela remuneração do trabalho, mas por factores exteriores ao circuito económico clássico.»
[António Guerreiro, in Ipsilon]