"Da combinação de sons dentro duma frase você pode ultrapassar o significado das palavras e dar ao leitor um outro sentimento que ele é capaz de não saber definir e que é próximo do que a música nos transmite. A música transmite-nos emoções para as quais não há palavras".
[José Rentes de Carvalho, Ípsilon]
O ponto mais supino da construção literária está aqui. A música e a linguagem têm um campo comum, pois que ambas se constroem de sons, sejam notas ou fonemas. É assim que no escritor há uma costela de compositor musical.
É claro que toda a gente sabe que um tal exercício dá mais trabalho que lucro. E que o mercado se alimenta mais de produtos de consumo do que de emoções estéticas. Mas é isso que distingue trigo e joio, quando falamos das artes literárias.
Esta questão tem múltiplas implicações, no exercício da escrita e na construção duma frase literária. Coisa que nem todas são. Porquê esta palavra e não aquela, qual a ordenação adequada, que sonoridades, que harmonias, que ritmo delas resulta.
Mais resulta que a verdadeira leitura deverá ser em voz alta, modo de evidenciar a musicalidade própria da antiga tradição oral. Já na escrita, a questão sublinha a importância da pontuação, particularmente da vírgula. É ela a batuta das marcações do escritor. E as normas gerais que a gramática estabelece não abrangem, nem têm forçosamente que reger, o discurso dum autor.
Na prática, se a língua tiver que se contorcer, na sua cavidade, em duros saltos mortais para oralizar um discurso, muito mal vai ele ao texto que o contém.