De um lado da alameda havia um Karl Marx, uma cabeça de pedra em cima dum pedestal, a ladrar aos proletários uma antiga advertência que ainda não perdeu a validade. Do outro uma igreja gótica, de tijoleiras de barro, que era mais um monumento do que um templo. Lá dentro não tinha santos, nem pelicanos dourados, nem anjos de cu ao léu. Era uma nudez despida.
A princípio estranhei-lhe o despimento, mais tarde ganhei-lhe o gosto. E à sexta-feira, quando a noite se instalava e as neblinas dilatavam a avenida, quem me queria ver era na Marienkirche.
Havia bancos corridos voltados para a coxia, e um pastor ao fundo deles. E uma mulher, bem bonita, que o acompanhava sempre. O pastor sentava-se num banco e lia textos dum livro para a pequena assembleia. E cada palavra dele era um cristal, que lhe fluía dos lábios e retinia no ouvido. Mais do que a substância das palavras, via-se que o homem cultivava nelas uma música escondida. Mais que o sangue que por elas transitava, perseguia sobretudo a carne delas.
Eu acompanhava aquilo em estado de encantamento. E levei um ror de tempo a perceber porquê. É por isso que hoje fico assim um cão, a ladrar às canelas desses bárbaros. Que se dizem literatos, e se fartam de escrever romances, como quem descarrega numa escarpa as escombreiras da mina. Das palavras reconhecem o volume, com quantas se enche uma página, qual o dividendo delas. Mas despedaçam-lhes a cristalinidade.