Agrilhoado a uma história desgraçada imposta há séculos por elites parasitas e anti-patrióticas, Portugal chegou a Abril de 74 num estado comatoso. Em quinze anos, milhão e meio de portugueses fugiram a salto para matar a fome na Europa, outro milhão foi mobilizado para as guerras africanas. O analfabetismo era enorme, as condições de vida da maioria iam pouco além da sobrevivência, enquanto uma restrita camada tinha direitos de cidadania e as elites viviam à tripa forra.
Depois dum processo revolucionário atribulado, em que a sabedoria de uns poucos dirigentes soube evitar a guerra civil, Portugal alijou como pode a pesada mó imperial que trazia ao pescoço, e conseguiu integrar o desespero de cerca dum milhão de retornados de África. Acabou por aproximar-se da Europa e integrar-se na CEE, mais tarde UE, pela mão do Partido Socialista. Era o que havia a fazer.
E conheceu finalmente, nos últimos trinta anos, as benesses dum estado social que foi construindo aos poucos, apoiado no novo contexto. Na saúde, na educação pública, na segurança social, nas condições materiais de vida, Portugal acedeu finalmente a padrões civilizados.
Já aqui foi dito, por mais que uma vez, que o PPD tem sido o actor primeiro no palco da tragédia nacional, que não ocupa sozinho. Hoje volta-se a dizer, e não é por mania paranóica nem cegueira partidária. Oxalá fosse! O PPD representa na perfeição o que de mais negativo existe na idiossincrasia dos portugueses, nos seus atavismos e limitações. Sempre concentrou em si o que de mais manhoso existe na sociedade portuguesa.
Muito mais que o CDS, o PPD foi sempre o lídimo representante dos interesses da direita destronada em Abril, e das suas oligarquias decadentes. No seu conjunto, o PPD ainda hoje dormiria sossegado à sombra da bananeira fascista, se o poder lhe não tivesse caído no regaço.
A sua primeira contribuição para um Portugal democrático e moderno foi um D. Sebastião novo, tão irrelevante como o velho. Um pedante que ficou na história não pelo pouco que fez, mas pelo muito que havia de fazer, se não tivesse morrido tão cedo. Mas morreu num desastre fatal (ou um atentado?) exactamente quando apadrinhava a eleição presidencial dum general do calibre do Soares Carneiro! Fez do "regresso dos militares aos quartéis" o seu cavalo de batalha, como se aí residisse o cerne das encruzilhadas do país.
A segunda contribuição do PPD para a renovação da pátria foi o cavaquismo, (que ainda dura). O país nadava em fundos europeus. E durante dez anos capitais (86/95), em que era vital definir as linhas de orientação dum futuro novo, o que o inane Cavaco conseguiu foi liquidar a agricultura, foi acabar com as pescas, foi acabar com algum resto de indústria, foi trocar o que havia por fundos e betão.
Cavaco era um economista inculto, boçal primário, amanuense. Depois de York amesendou-se no Banco de Portugal, encaixou-se como professor de economia na novel Uninova, e criou à sua volta uma infindável geração de gestores, de ministros, de barões, tão famélicos e enfatuados como inúteis. Em 1989, com o novo regime da função pública, abriu caminho e deu origem remota ao "monstro" da dívida, que havia de vir. Desses tempos, nada sobrou de construtivo no campo da saúde, nem da segurança social, nem da educação (Couto dos Santos, Roberto Carneiro, Deus Pinheiro, Ferreira Leite...), nem da reforma do Estado, nem da justiça, nem na economia. Os dois governos de Cavaco foram a primeira década perdida. E o poder local "democrático", que foi sempre o maior esteio eleitoral do partido, iniciava a era eufórica das rotundas, dos pavilhões, dos complexos desportivos, das piscinas quentes e frias, e dos equipamentos que agora estão a fechar por insustentabilidade financeira.
A terceira contribuição do PPD para a modernização urgente do país foi a quadrilha de escroques do BPN, que empalidecem as vigarices do Alves dos Reis.
A quarta contribuição foi reciclar os serviços da trupe dos maoístas, com Durão Barroso e outros educadores da classe operária. Esse tal que também fez parte do curso à pala do PREC. A palavra de ordem dessa heteróclita gente resumia-se a boicotar qualquer espécie de ordem ou organização, era marchar contra a escola capitalista, era exigir passagens administrativas, era roubar mobiliário da faculdade de direito e levá-lo para a sede do MRPP, na avenida Álvares Cabral.
Mas o pior do PPD ainda estava para chegar. É esta borra do fundo da talha, este vinagre bíblico que nos toca beber. É este bando de facínoras que assaltaram Portugal e o esfacelam, com Cavaco ainda ao leme. Para chegarem ao poder, contaram com a cumplicidade e o sectarismo de múmias antigas, que sobrevivem nas desgraças do povo. O seu único programa para Portugal era o poder e a troika, à sombra da qual pôem em prática o que não seriam capazes de fazer sozinhos: desmantelar as relações de trabalho e a dignidade do povo, precarizar, fragilizar pelo medo, reduzir o Estado ao mínimo, essa última barricada dos mais frágeis, que em Portugal são a imensa maioria.
Enquanto estes marginais esperam receber umas migalhas, servem na perfeição as elites financeiras que manipulam o mundo, como Chomsky deixou dito. São o cavalo de Tróia, que nós, troianos, metemos na cidade.