[Nota Prévia - Noam Chomsky: Em 2005, o Citygroup concebeu um folheto destinado aos investidores e intitulado "Plutonomia: Comprar Artigos de Luxo e Explicar os Desequilíbrios Globais". O folheto incitava os investidores a aplicarem o seu dinheiro num "índice de plutonomia". Lê-se no comunicado: "O mundo divide-se em dois blocos: a plutonomia e os restantes".
A plutonomia é dirigida aos ricos, àqueles que compram artigos de luxo, entre outros bens, e é esse o centro de toda a actividade. O banco anunciava que o seu índice de plutonomia ultrapassava consideravelmente o mercado bolsista, por isso era nele que as pessoas deviam investir. Quanto aos restantes, que se desenrascassem. Não precisam deles. Têm de os ter por perto para sustentar um estado poderoso, que proteja e que resgate os ricos quando estiverem em apuros, mas para além disso os restantes não têm qualquer utilidade. Hoje em dia, há quem diga que são o "precariado" - pessoas que têm uma existência precária na periferia da sociedade. E já não é só na periferia. Estão a tornar-se uma parte substancial da sociedade dos EUA, e na verdade de outros países. E parece que os mais endinheirados não vêem mal nisso.]
Para entender a grande armadilha em que a pátria está metida, é preciso abordá-la em dois planos: o geral e o particular, o alheio e o próprio, o internacional e o interno. Comecemos pelo primeiro:
Na década de 70, tornou-se clara ao mundo capitalista a queda inevitável do império de Moscovo. Durante o vietname soviético do Afeganistão, a América deu a Moscovo o golpe de misericórdia, com o repto económico e tecnológico da guerra das estrelas. Breznev não teve resposta para ele. Na década de 80, Reagan, Thatcher e o papa acabaram o trabalho e Moscovo implodiu.
Uma vez derrubado o muro de Berlim, as elites do mundo capitalista ficaram sem obstáculo. E sabiam muito bem que, nos 40 anos da guerra fria, tinham sido forçadas a fazer cedências aos trabalhadores e aos povos, para os preservar de aleivosias "revolucionárias". O estado social europeu nasceu daí. Chegara a altura de recuperar o perdido.
Na década de 90, o mundo capitalista com a América à cabeça (a política, a financeira, a industrial, a empresarial das grandes corporações) entrou de cabeça na globalização, aproveitando a onda das novas tecnologias. Mais do que o objectivo de fabricar produtos para o mercado, as empresas sacrificaram a economia à especulação e à finança, e passaram a gerar "dividendos para o accionista". Da desregulamentação da finança em roda livre passou-se à desindustrialização. A produção industrial "clássica" deixou de dar dividendos compensadores, e a deslocalização impôs-se como alavanca poderosíssima. Uma empresa deslocalizada para o Oriente duplicava em 3 meses o seu valor bolsista. Isto ao mesmo tempo que passava a dispor de trabalho escravo ao preço da chuva, e partia os dentes ao operariado que no Ocidente fazia mover as fábricas. Em três tempos a América destruiu a sua indústria automóvel (hoje em parte reconstruída por Obama), transformando Detroit num logradouro de ruínas. Reagan proletarizou todo o pessoal de voo, e Thatcher fechou as indústrias do carvão e destruiu os sindicatos ingleses.
As elites europeias cavalgaram a onda, não sendo esta a primeira vez que traíram os seus povos, como nos mostram a história e a vida.
Mas era preciso dar um passo em frente e pôr no terreno os mecanismos que conduziriam à maior transferência de riqueza a que o mundo já assistiu. George W. Bush perdeu numericamente as eleições em 2001. Mas foi entronizado presidente, porque era ele a peça que faltava às elites americanas. Bêbado e incapaz, era um bom pau-mandado. E fez muito bem o seu papel.
Ninguém no seu juízo acredita que as Torres Gémeas caíram, no 11 de Setembro, por acção dum Bin Laden qualquer. Porque é tecnicamente impossível acreditar nos relatórios e explicações que a América mostrou. Mas o golpe funcionou na perfeição: instalou a psicose do grande terror, abriu caminho ao Patriot Act e aos atentados contra essa coisa da lei e da democracia, e forneceu o pretexto para a guerra no Afeganistão e no Iraque, colocada nas mãos do Presidente. O complexo militar-industrial livrou-se de stocks indesejáveis, renovou armamentos, fez negócios fabulosos. O Saddam não tinha, afinal, armas de destruição em massa. E os iraquianos apanharam com munições de urânio empobrecido, e com bombas de 10 toneladas em ambiente urbano. Mas a quem é que isso interessa?!
A indústria da desinformação e da comunicação social dourou a pílula, como é da sua função. A América embarcou, as elites dirigentes europeias esfregaram as mãos, a City e Wall Street, o Goldman Sachs e o Citygroup alargaram apetites e negócios.
Tanto alargaram negócios e apetites que em 2007 o Lehman Brothers faliu, com a história do sub-prime. As dívidas privada, empresarial e pública tinham crescido um pouco por todo o lado. Em 2009/10/11, a matilha das agências de rating explorou fragilidades, baixou ratings, reduziu empresas e países e economias a lixo. Nenhuma delas previu as falências na América, mas todas puseram a Europa a ferro e fogo, ao serviço da ideologia, a coberto dos mercados. Mas já estava prevista uma saída, a chamada "austeridade". A responsabilidade era dos povos, que andavam a "viver acima das suas possibilidades", gerando o monstro da dívida. Por isso foram os contribuintes chamados a pagar a salvação dos bancos, para não falirem os estados. Caiu a Grécia, a Irlanda claudicou. Em Portugal foi o que já se viu.
Como sempre, a elite da América comandou este barco-pirata. E as múltiplas elites da Europa tomaram lugar a bordo. Ainda hoje lá estão, em alegre viagem. A arruinar os povos da Europa, se o tempo lhes der para isso.
(Segue!)
[Nesta avançada neoliberal que a América comandou, o crime foi tão longe, e foi tão descarado, que em certo momento foi imperioso limpar a face da América, elegendo o negro Obama para a Presidência. E o próprio partido republicano chegou a ter um presidente negro. Há jogadas arriscadas, que são inevitáveis. E já se viu que compensam, tendo em vista que Obama não conseguiu pôr em causa nada de essencial.]