quinta-feira, 23 de maio de 2013

Mala-sorte foi não haver Toyotas

Na savana da Quissama, as perdizes desciam à estrada para arredondarem o papo com as sementes do capim debruçado no asfalto. Quando o Toyota aparecia a roncar à distância, interrompiam o festim e punham-se ao fresco a pedalar em frente. A estrada era estreita, não podiam descolar no sentido transversal.
Um dia nós descobrimos que a cento e vinte quilómetros o jipe era mais rápido que as perdizes. Por mais que dessem às asas, acabavam espalmadas na grelha do nariz. Para nós eram simples vítimas das leis da aerodinâmica. E assim passámos a ter o pitéu à distância dum golpe de acelerador. Até que as perdizes associaram a sorte das primas mortas ao focinho dum Toyota, e deixaram de aparecer.
Para os escravos das vastidões do Cuanza, a mala-sorte foi não haver Toyotas há quinhentos anos. Também não conheciam as leis da aerodinâmica, nem puderam aprender esta lição das faunas da Quissama. Por isso mesmo acabavam agrilhoados em récuas de prisioneiros, a trotar em direcção ao mar, a atravessar oceanos, espalmados no convés dum negreiro qualquer.