segunda-feira, 6 de maio de 2013

A consciência das coisas.

Trotas pela rua fora, à tua frente marcha um cidadão de capa impermeável e botas de caçador. É então que desaba na cidade um aguaceiro.
A primeira coisa que te sofre são os pés, coitados deles, caso não tenhas uns chapins decentes. Sem casaco aconchegado, lá se te vai o calorzinho do peito. E se também não tiveres um guarda-chuva, é o penteado que te perde a compostura. Não havendo um vão de porta que te abrigue, arriscas um febrão e uma pontada no peito. 
Tu protestas com a injustiça destas desigualdades, por veres que o cidadão lá segue em trote lesto, a assobiar o fado do embuçado. Omitamos que, porventura, andaste por Cancún, a gastar a semanada. E sublinhemos apenas que o mundo é feito de coisas todas diferentes. Já ouviste dizer que o mexilhão mais exposto apanha sempre com a primeira onda?!
Esta é a ordem natural das coisas, faz parte das leis da Física. Não te queixes da injustiça, porque a natureza não é injusta. A natureza é apenas o que é, impávida e serena. Injustas serão as sociedades dos homens, que os homens finalmente edificaram. E só guardarão sentido com Estados civilizados e modernos, que reconhecem o homem e os seus direitos, e o distinguem das béstias duma selva qualquer. Fora deles... imperam simplesmente as leis da natureza.
É por isso que a escumalha que aí anda, de charuto na boca a fumegar, te quer meter na cabeça a falácia troglodita do "quanto menos Estado, melhor Estado". Até tu, se bem calhar, vais na conversa, enquanto passas os olhos pelo Correio da Manhã! 
Que fazer, senão manter uma apurada consciência destas coisas?!