segunda-feira, 2 de maio de 2016

Pré-romance

Em 1944 a tísica era um terror e um tabu. A estreptomicina já existia na América, mas ainda não estava disponível para uso universal comum. O tratamento da tuberculose eram os bons ares, era o pneumotórax da Montanha Mágica. E é esse o calvário de João Pereira da Costa, em serviço militar nos Açores, depois que a doença lhe foi diagnosticada por um físico inglês. 
O casamento com uma penélope dedicada, que passou a vida à espera da cura do amado, teve entretanto lugar. E o João passou pelo Caramulo, uma estância criada pelo antigo modelo do sanatório Berghof, visitado por Hans Castorp. A penélope acabou por visitar o marido no Caramulo, onde engravidou. É daí que o neto provém.
Nuno Costa Santos é jornalista da Visão. E da meninice na Estefânia guarda lembranças do avô, sobrevivente da tísica, com a garrafa metálica de oxigénio ao lado. Ao longo da sua luta com a doença, o avô reunira vasta biblioteca. E foi dela que o neto acabou a alimentar-se culturalmente. E onde achou um dia um livro que o avô escrevera e ficou sem edição. Dele constava: "Se tiver um descendente que se interesse pela escrita, peço-lhe para ir a São Miguel e trazer no regresso um conjunto de histórias do presente da ilha. Mas não se fatigue demasiado. Que viva a vida que não consegui viver."
E o Costa Santos cumpriu o pedido, melhor incentivo não é fácil de encontrar. Conheci-o há dias, em sessão de apresentação na BMEL. E dou-me conta de que é um pré-romance. Há nele duas partes narrativas, que correm em paralelo: o relato que o avô deixou e a passagem do neto pelos Açores, onde reuniu histórias de São Miguel. 
Muito embora se trate dum romance que ainda não chega a sê-lo, o que parece é que o Costa Santos é dum barro que há-de lá chegar. Há ali um saber, uma cultura, um pensamento organizado, uma capacidade, uma linguagem. Diferentemente doutros casos consagrados pelo mercado que ainda andam à procura (como o Peixoto que apenas pede colo, o Hugo Mãe em busca dum discurso, o Tordo a ver se encontra uma realidade, o Tavares que demanda a justificação do Nobel prometido), o Costa Santos vai lá. Quando aprender que o discurso da literatura não é o da reportagem jornalística.