A intriga desta história de José Rentes de Carvalho é extremamente engenhosa mas simples. Num espaço rural transmontano remoto, o Meças é uma figura violentíssima e imprevisível, perseguida desde sempre por um trauma infantil: ter visto na meninice o "sr. Engenheiro" a violar a irmã Deolinda, com a qual o irmão manterá toda a vida uma relação ambígua. Um dia, muito depois de o Meças ter degolado o engenheiro com uma navalha de barba, vem a saber-se que o próprio Meças é fruto dessas violações. Quer dizer, a mãe do Meças é a sua própria irmã.
E os quatro capítulos em que a mesma intriga está organizada alternam entre dois narradores: um primeiro heterodiegético (3ª pessoa), que lentamente constrói a figura do Meças; e um segundo, homodiegético (1ª pessoa), que acaba por revelar ser filho do engenheiro. Isto é, a personagem e um dos narradores são meio-irmãos, ambos filhos do mesmo pai.
O Meças tem um filho que despreza, e uma nora que tortura e deseja. E a violação um dia acaba por ter lugar. Todo o romance está no formalismo narrativo, no modo de o contar.
O resultado é polémico e dá ao leitor grandes trabalhos. A lentidão, a violência, o entendimento das figuras e dos seus comportamentos, a intercalação de tempos e lugares, a fragmentação narrativa, o frequente discurso reflexivo, o desencanto céptico, provocam momentos de leitura quase dolorosos.
As mudanças no modo de narrar arrastam alterações estilísticas patentes. Se no começo o discurso é luminoso e promissor, com frase breve e clara e quase musical, a dado ponto perde harmonia e torna-se comum. É pena. Pessoalmente, este universo da escrita não é o que mais me motiva, nas artes literárias. Aqui fica um texto crítico, outros juízos não os conheço.