Andam aí uns letrados a tropeçar nas sombras de Saramago, angustiados com o seu gesto terrível de retirar do Memorial do Convento a dedicatória inicial a Isabel da Nóbrega. Tais especialistas do mexerico esquecem facilmente que, de Saramago, tudo quanto sobra é a obra. Lê-la e usufruí-la é o único gesto útil.
Já em tempos vim à fala com um figurão medíocre e frustrado que padecia duma obsessão: o Saramago era um pulha, porque tinha retirado do Levantado do Chão a memória dos camponeses do Lavre, de cuja oralidade ele extraiu o fascinante modo de narrar que mais ninguém usou. O tal que nos pôs a lê-lo, a nós todos e à Europa, nos anos oitenta. E foi assim até ao Ensaio Sobre a Cegueira e ao Nobel. O resto é repetição irrelevante.
Quase tanto como um filmezinho que aí andou, e revi recentemente. Faz-me pena, a dolorosa exposição da decadência do mestre já senil. Sei bem que o próprio se pôs muito a jeito, talvez a carne seja mesmo fraca. É pena dupla!