[Portalegre, 1952]
Passaram pelo meu nome e eu era um número
- menos que a folha seca dum herbário.
Colheram-me com mãos de zelo e gelo:
escreveram-no sem mágoa num postal.
Convite a que morresse... mas por quê?
Convite a que matasse... mas por quem?
Ó vago amanuense, ó apressado
e súbito verdugo, que te ocultas
numa rubrica rápida, ilegível,
que dirás tu do meu e de outros nomes,
que dirás tu de mim e de outros mais,
no Dia do Juízo já tão próximo
- que dirás tu de nós, se nem tremeu,
na rápida rubrica, a tua mão?
Bem sei que a tua mão só executa;
mas para além do ombro a ti pertences.
Bem puderas chorar, ter hesitado...
- A mancha duma lágrima bastara
para dar um sentido a esta morte
a que a tua indiferença nos convoca!
(David Mourão-Ferreira]
[Boletim das Bibliotecas Itinerantes Gulbenkian, 1996)