quinta-feira, 7 de maio de 2015

Raposeta pintalegreta senhora de muita treta

O Sousa foi agente da divisão de trânsito da PSP, ali a Santa Marta, durante muitos anos. O seu vezo foi sempre a maquinaria, as motas, os camiões e o cheiro das gasolinas. E um dia, abrindo caminho Avenida abaixo, era ele o fila-guia da escolta de sete batedores da comitiva dum presidente que houve. Hoje está velho, o antigo presidente, já chegou à condição de marginal e supranumerário. Isso lhe permite afrontar as verdades e apregoar sem rebuços o que dito deve ser. Coisa que muitos não ousam, ou não poderão, adiante!
Lá seguia a comitiva em boa velocidade, de sirenes a uivar. Até que apareceu pela direita uma senhora sonâmbula, ensonada, alheada deste mundo, vinda das ruelas da Alegria. Avançou pela avenida, e foi com grande surpresa que viu entrar-lhe no carro a mota dum batedor. Era o Sousa, que nada pôde fazer. Esbracejou ao acaso, deu duas voltas no ar, e aterrou no empedrado dos Restauradores.
Depois disso baixou ao estaleiro, restaurou, ele sim, os estilhaços, e andou por ali uns tempos em serviços secundários. Acabou por ir à junta médica e reformou-se antecipadamente, com o seu tanto de incapacidades.
Hoje vive aqui na aldeia e não quer outra coisa. É o bombeiro-voluntário da comunidade, o serviço de protecção civil que doutro lado não vem. Se um tractor se atasca num lamaçal, é telefonar ao Sousa que resolve; se uma velhota caiu na cozinha e já se não levanta, pede uma ajudinha ao Sousa; se precisares do Centro de Saúde, o Sousa dá-te boleia. Isto já para não falar dos trabalhos de máquina, de capinar um baldio, de desmatar um brejo, de arrotear um bravio. E faz tudo numa perfeição que até dá gosto ver!
Uma destas noites esqueceu ao Sousa fechar às galinhas a porta do galinheiro. E a raposeta, que andava há anos à espera da peripécia, entrou lá dentro e foi o fim do mundo. Não sobrou quem pudesse contá-lo!
Coisa pior só aconteceu ao Sousa, que não teve ninguém a quem se queixar.