quinta-feira, 28 de maio de 2015

2º andamento

A alameda é a mesma de há um século e as sebes de buxo estão muito maiores. A entrada lá ao fundo ainda é igual, mas agora está fechada. E há milhões de andorinhas nos beirais. O lombo enorme da Estrela continua ali em frente, salvo o frio que aos invernos de lá vinha. São os mesmos os cedros e os carvalhos, e algumas tílias que bordejavam recreios. Mas desapareceram os caminhos da quinta, de saibro áspero a ranger. E já não há vinhas a correr ao longo deles, nem as cerejas vermelhas que pendiam dos ramos e lembravam lábios de Eva, nos dias de retiro e silêncio e solidão. 
Os telheiros do logradouro ruíram, mas ainda sobrevive o ringue de patinagem, de pavimento partido e remendado. Ainda agora estou a ver o Pião e o adversário a disputar cavalgadas, com a bola sempre colada na pontinha do stick. Nunca participei nelas e ainda hoje tenho pena, faltou-me sempre com que comprar uns patins. 
Em toda a volta só há portas fechadas, hoje é domingo e o regime é de externato. Ali dentro jogava-se ao pingue-pongue, enquanto eu e o mestre de latim deambulávamos pelo corredor, num arremedo de Cíceros no foro. Ainda hoje me assombra essa lembrança. 
Ainda há-de haver lá dentro um claustro de laranjeiras que um certo dia pensei em assaltar. E camaratas agora vazias, e refeitórios e salas de estudo, onde o livro de inglês era o Animal Farm, muito mais tarde vim a perceber porquê. E haverá duas capelas, numerosas salas de aula e fundos corredores ao longo delas. 
Um dia pedi e fui autorizado a passar os intervalos das aulas numa delas. Havia um órgão de pedais, e exercícios de pauta, e páginas de partituras, eram lá os meus recreios. A pedalar por um lado e a dedilhar por outro, ao fim dum mês já se entendia Bach. Não era ainda bem este mas já fazia lembrar!
Atravesso o portão da alameda de lágrimas nos olhos, a caminho do Fundão. Onde vi o Marcelino Pão e Vinho pela primeira vez.