O chauffeur andava todo vaidoso. Tinha em casa uma peça de museu, homologada num clube de antiguidades, da mesmíssima cor das camisolas do seu Glorioso. Era um caso atípico de ouro sobre azul.
Em certa tarde funesta levou a antiguidade a apanhar sol, esquecido de que abrira a caça à multa. A polícia andava num badanal, emboscava-se em canadas esconsas à beira dos ribeiros, fazia estranhas esperas nas encruzilhadas. Era uma febre malsã, sezão maligna de Verão, que uns ministros inventaram para liquidar uns calotes pregados a uns agiotas. Ninguém percebia bem, mas adiante!
Alheado e displicente, o chauffeur passou um sinal vermelho inútil e impertinente. Contravenção muito grave! - foi o que anotou a autoridade. O chauffeur desembolsou uma fortuna, além da pena acessória dos três meses de apreensão da licença. Dura lex!
Impedido assim de conduzir, o chauffeur não levou a viatura ao centro de inspecções quando lhe chegou a data. E depois disso o clube de antiguidades recusou renovar o certificado de homologação, que estava a perder a validade. Nem tratou do seguro obrigatório, uma benesse exclusiva da selecta confraria. Encarcerada nas penumbras da garagem, a antiguidade nunca mais apanhou sol.
Foi por isso que o chauffeur, quando voltou a ter carta, não sofreu de hesitações. Passou-lhe uma camurça nos cromados e ala que já se faz tarde!
A autoridade apareceu na encruzilhada sinistra, de mão no ar pediu-lhe os documentos. - A conduzir sem seguro, sem a respectiva inspecção... Contravenção muito grave, senhor condutor!