domingo, 12 de abril de 2015

Alvoradas

A romaria tinha, e ainda tem, a sua alvorada pirotécnica às oito da manhã. A anunciar os começos da festa.
Colocado em sítio dominante, o fogueteiro chegava-lhe a mecha, incendiava o rastilho, e o foguete subia no ar, num rasgo sibilante. A dada altura soltavam-se as bombas, que explodiam pelo céu em cogumelos de fumo, numa sucessão irregular e sincopada. Em redor iam caindo as canas, o cobiçado troféu da garotada. 
Era tudo feito à mão, num ritmo contingente. E terminava com uma série de morteiros, de bomba única maior e mais sonora. Algum erro custaria ao mísero artista um par de falangetas.
Agora o fogueteiro é um industrial de pirotecnia, que não deixa a tecnologia em mãos alheias. Tudo funciona por iniciadores e circuitos eléctricos. E ele já montou na véspera, no relvado, um complexo enigma de canhões. Senta-se à mesa das operações, liga os circuitos e dá início à função. Os mísseis sobem no ar e são inteligentes, explodem a altura controlada, em séries que três segundos mal separam. Os morteiros são mais espaçados, mais potentes, e também são cronometrados. E os garotos, que já não existem, não correm a apanhar as canas que deixou de haver.
O efeito duma tal alvorada ouvi-o há pouco. É para lá daqueles montes, algures na terra quente. É pífio, padronizado, é enfadonho. Nem alvoroça as rotinas da vida, nem liberta as emoções, nem alimenta desejos de aventura, nem faz andar nenhum sonho. É mais que certo eu não ir à romaria.