Vi-a há dias na praça da Batalha, a escoicinhar lá ao fundo, no meio do passeio. E nunca tinha visto uma pomba em semelhantes preparos. Ora coices à direita, ora coices à esquerda, não era possível que estivesse bem. As pombas não andam bêbedas, nem sofrem de epilepsia.
Quando cheguei perto dela decifrou-se o enigma. A pomba tinha as patas enfiadas no anel dum barbante, como as peias que sujeitam os jumentos no prado. Eu pus-me a olhar em volta. Mas nenhum dos lojistas me pareceu ter ar de sádico, ou de negreiro, ou de familiar da santa Inquisição.
De modo que só uma coisa poder ter acontecido. A própria pomba meteu as patas na armadilha por simples masoquismo, ou porque se distraiu a ciscar no monturo.
Quis ajudá-la mas logo protestou. E eu tive pena dela e fui-me embora.
Fez-me lembrar a política, e a urna das eleições de há um ano, e uns jumentos que também meteram o pescoço num barbante que nos garrota. E porque as más ideias são como as cerejas, veio-me à cabeça o comité central, que para mal de todos nós também traz as canelas apernadas numas peias do tempo do Stalin.